Nesta aula serão analisados os concursos públicos.
Primeiramente, é preciso ressaltar que a acessibilidade aos cargos, empregos e funções públicas é garantida tanto a brasileiros quanto a estrangeiros.
No entanto, para ocupar efetivamente uma dessas posições, é frequentemente necessário ser aprovado em concurso público.
O concurso público não é o único procedimento de seleção de agentes públicos, mas é o mais relevante, pois sua exigência está prevista na Constituição em diversas situações.
Ele consiste em um processo administrativo cuja finalidade é selecionar recursos humanos para o Estado, caracterizando-se pela objetividade e pela meritocracia.
O concurso público tem o propósito de promover a eficiência no funcionamento do Estado e garantir o ideal democrático, permitindo uma comparação técnica e isonômica entre os candidatos a cargos públicos.
Ele busca avaliar conhecimentos técnicos e, em alguns casos, aptidão física, mas não aspectos como boa conduta, ética ou capacidade de trabalho em equipe.
Essas características, embora relevantes para o exercício da função pública, podem ser exigidas apenas como requisitos para a posse no cargo ou para a contratação efetiva.
É importante distinguir o concurso público, como processo seletivo de pessoal, do concurso como modalidade licitatória prevista na lei de licitações.
O primeiro tem por objetivo selecionar indivíduos para funções públicas, enquanto o segundo trata da seleção de contratantes.
A Lei 14.965/2024 determina as regras gerais que regem os concursos públicos, tornando expressos muitos aspectos que já existiam em nosso ordenamento jurídico, porém estavam esparsos em leis locais. Entretanto, muitas determinações ainda são de competência local para serem definidas.
A Constituição estabelece duas modalidades básicas de concurso público: o concurso de provas, que avalia a capacidade técnica ou física dos candidatos, e o concurso que combina provas e análise de títulos, contemplando formação acadêmica e experiência profissional.
No caso dos concursos para docentes de universidades públicas, por exemplo, além das provas didática e escrita, há análise de títulos acadêmicos, como graduação, mestrado, doutorado e livre docência.
As provas do concurso devem ser elaboradas em consonância com a complexidade e a natureza do cargo a ser preenchido.
Elas podem ser variadas, distribuídas em fases, e ter caráter classificatório ou eliminatório. Alguns concursos contam com uma única prova, enquanto outros possuem múltiplas fases.
Quando eliminatórias, as provas estabelecem um critério mínimo de pontuação para avanço nas etapas seguintes.
A jurisprudência do STJ e do STF apresenta diversas decisões relevantes sobre concursos públicos.
Veja alguns entendimentos do STJ:
No STF:
Na aula anterior, foram abordados conceitos iniciais a respeito de concursos públicos, apresentando-se uma definição desse procedimento de seleção de pessoal amplamente utilizado pelo Estado.
Nesta aula, serão tratadas as medidas discriminatórias aplicadas pelo Estado na condução dos concursos públicos.
O uso dessas medidas é frequente por duas razões principais. Primeiramente, o Estado pode adotar medidas discriminatórias para viabilizar o futuro exercício das funções pelos candidatos aprovados.
Esse tipo de discriminação é denominado discriminação técnica ou discriminação lógica, pois determinados indivíduos podem não ser capazes de executar certas funções no futuro.
Em segundo lugar, existem medidas discriminatórias voltadas à promoção de ações afirmativas, caracterizando-se como uma técnica de discriminação inclusiva para beneficiar grupos populacionais vulneráveis.
A discriminação lógica ou técnica ocorre quando o edital do concurso estabelece diferenciação entre os candidatos com base nas atribuições do cargo ou emprego público.
Essa diferenciação pode envolver limites mínimos ou máximos relacionados a peso, altura ou idade do candidato.
Tais restrições devem ser objetivas e genéricas, garantindo que o candidato aprovado possua as condições necessárias para exercer a função pública. Exemplo disso é a necessidade de altura mínima para operar determinados equipamentos da administração pública, como uma máquina de escavação cujas dimensões da cabine impõem restrições ao piloto.
Nesse sentido, a súmula 683 do STF estabelece que o limite de idade para inscrição em concurso público só é justificado quando a natureza das atribuições do cargo exigir tal restrição.
As discriminações lógicas podem ser inseridas diretamente no edital pela administração pública, sem necessidade de previsão legal específica, pois derivam de condições fáticas da execução da função.
Contudo, o STJ possui julgados que determinam a necessidade de previsão legal para limitações relativas a idade, sexo e altura em determinadas carreiras, como a militar.
Por outro lado, há discriminações em concursos públicos com finalidade inclusiva, buscando ampliar o acesso de grupos vulneráveis aos cargos públicos. Essas medidas têm justificativa histórica e funcional e visam assegurar maior equidade no ingresso em funções públicas.
Como exemplo, o art. 37, VIII, da Constituição Federal prevê a reserva de vagas para pessoas com deficiência, embora não estabeleça percentual específico.
Em 2024, o STF julgou a ADIn 7.654 e decidiu pela continuidade das cotas previstas na Lei 12.990/2014 até que o Congresso Nacional avalie sua eficácia e se manifeste formalmente sobre a prorrogação da política afirmativa.
Outros pontos relevantes sobre medidas discriminatórias incluem a ADC 41, julgada pelo STF em 2017, que reconheceu a legitimidade da autodeclaração de etnia e a utilização de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitem a dignidade da pessoa e garantam o contraditório e a ampla defesa.
Por fim, a lei 13.872/2019 introduziu uma medida importante em matéria de gênero, ao prever o direito de mães amamentarem filhos de até seis meses de idade durante a realização de concursos públicos na administração pública, mediante solicitação prévia à instituição organizadora.
Essa norma visa evitar prejuízos às candidatas lactantes, garantindo-lhes condições adequadas de participação nos certames.
Os concursos são procedimentos complexos, burocráticos, custosos e demorados. Por esse motivo, a previsão de um prazo de validade possibilita que a administração utilize a lista de aprovados sem a necessidade imediata de realizar novo certame.
Entretanto, o prazo de validade de um concurso não pode ser indefinido, pois não faria sentido utilizar listas de aprovados de processos seletivos realizados há décadas. Para regulamentar essa questão, a Constituição Federal, em seu art. 37, III, estabelece que a validade dos resultados dos concursos públicos é de até dois anos, podendo ser prorrogada por igual período.
No caso de concursos com prazo de validade de dois anos, a prorrogação pode ocorrer por mais dois anos, atingindo o limite máximo de quatro anos.
Em situações excepcionais, concursos são realizados para atender demandas imediatas da administração pública, sem previsão de aproveitamento futuro dos resultados.
Durante o prazo de validade do concurso, os candidatos aprovados possuem direito subjetivo de prioridade em relação a novos concursados. Caso um concurso seja realizado e, posteriormente, outro ocorra dentro do prazo de validade do primeiro, os aprovados no concurso anterior terão prioridade, independentemente da nota obtida pelos candidatos do novo certame.
Isso significa que, mesmo que um candidato aprovado no concurso mais recente tenha alcançado nota superior a um aprovado no concurso anterior, aquele cujo certame ainda esteja em validade terá prioridade na nomeação, desde que tenha sido aprovado dentro do número de vagas previstas no edital.
O art. 37, IV, da Constituição trata desse direito, que se fundamenta na proteção da confiança legítima.
Dessa forma, a administração pública deve respeitar e cumprir as regras estabelecidas nos editais.
A jurisprudência do STF e do STJ avançou nesse sentido, reconhecendo um direito líquido e certo à nomeação ou contratação para os candidatos aprovados dentro do número de vagas previstas no edital.
Esse direito deve ser garantido dentro do prazo de validade do concurso, salvo em situações excepcionais que justifiquem a redução do número de convocados ou a impossibilidade de nomeação.
No passado, a súmula 15 do STF já apontava um entendimento semelhante, estabelecendo que, dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado teria direito à nomeação caso um cargo fosse preenchido sem observância da classificação.
Entretanto, essa súmula não se baseava na Constituição de 1988 e não fazia referência à necessidade de o candidato estar dentro do número de vagas previstas no edital.
Atualmente, o STF (tema 784) reforça que a aprovação fora do número de vagas não gera direito líquido e certo à nomeação, ainda que o concurso esteja dentro do seu prazo de validade.