Comunhão Universal de Bens

Após a análise do regime da comunhão parcial de bens, passa-se à abordagem do regime da comunhão universal de bens.

Conforme já mencionado, na ausência de um pacto antenupcial, o regime adotado será o da comunhão parcial de bens. Dessa forma, para que seja escolhido qualquer outro regime, incluindo a comunhão universal de bens, é imprescindível a realização de um pacto antenupcial formalizando essa decisão.

O art. 1.667 do Código Civil estabelece que o regime da comunhão universal de bens implica a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, bem como de suas dívidas passivas, com ressalvas previstas nos artigos subsequentes.

Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.

A regra geral determina que todo o patrimônio dos cônjuges passa a ser comum, sem distinção entre bens adquiridos antes ou depois do casamento.

O STJ, no julgamento do REsp 1.608.590, ressaltou que, após a vigência da Lei do Divórcio (lei 6.515/1977), o pacto antenupcial tornou-se obrigatório para os casais que optam por um regime de bens diverso da comunhão parcial.

Nesse caso específico, uma mulher buscava manter o regime de comunhão universal registrado na certidão de casamento, mas o STJ decidiu que, na ausência de pacto antenupcial, o regime aplicável seria o da comunhão parcial de bens. ​

Diferentemente da comunhão parcial de bens, na qual existem três patrimônios distintos, na comunhão universal de bens não há essa separação. Após o casamento, forma-se um único patrimônio comum a ambos, abrangendo tanto bens quanto dívidas.

Nesse regime, todos os bens e dívidas, independentemente de terem sido adquiridos antes ou depois do casamento, tornam-se comuns e indivisíveis.

Diferentemente da comunhão parcial, onde há a divisão proporcional dos bens, na comunhão universal não há essa distinção: tudo pertence ao casal de maneira conjunta e indivisível.

O STJ também decidiu que o regime de separação convencional de bens, estabelecido voluntariamente em pacto antenupcial, é imutável sem a manifestação expressa de ambos os cônjuges. No REsp 1.706.812, uma mulher pleiteava o reconhecimento de sociedade de fato com o ex-marido, apesar de estarem casados sob o regime de separação total de bens. O STJ negou o pedido, enfatizando a necessidade de manifestação expressa para alteração do regime de bens

Sociedade

Uma característica relevante desse regime é a impossibilidade de os cônjuges constituírem sociedade entre si. O Código Civil estabelece essa vedação com base no fato de que os patrimônios dos cônjuges já se encontram totalmente unificados, o que impediria a separação necessária para a existência de uma sociedade empresarial entre ambos.

Caso um casal casado sob esse regime deseje posteriormente constituir uma sociedade, será necessário recorrer ao princípio da mutabilidade do regime de bens. Esse princípio permite a alteração do regime de bens do casamento, desde que haja justificativa para tal mudança.

Assim, se houver interesse em formar uma sociedade, os cônjuges poderão solicitar a alteração para um regime de separação total ou comunhão parcial de bens, possibilitando a constituição da sociedade.

Após a explanação sobre a regra geral da comunhão universal de bens, em que todo patrimônio é compartilhado entre os cônjuges, é necessário tratar das exceções previstas no Código Civil.

Exceções

A primeira exceção refere-se aos bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade. No regime da comunhão parcial de bens, quando um bem é recebido por doação, ele não se comunica com o patrimônio do cônjuge, salvo disposição expressa em sentido contrário.

No entanto, na comunhão universal de bens, a regra se inverte: todos os bens doados ou herdados integram o patrimônio comum, salvo se houver cláusula de incomunicabilidade.

Assim, se um indivíduo recebe uma casa por doação de sua mãe e esta não deseja que o cônjuge do beneficiário tenha direito ao bem, deve ser incluída na escritura de doação uma cláusula expressa de incomunicabilidade. Dessa forma, em caso de divórcio, o bem permanecerá exclusivamente com o donatário.

A segunda exceção envolve os bens gravados de fideicomisso e os direitos do herdeiro fideicomissário. No direito das sucessões, o fideicomisso consiste na determinação de que um bem seja transferido a um primeiro beneficiário e, posteriormente, a uma terceira pessoa, quando esta cumprir determinada condição ou decorrido certo tempo.

Por exemplo, se um indivíduo deixar um carro para seu irmão, estabelecendo que o bem será transferido ao filho do testador quando este concluir a faculdade, o irmão será apenas um detentor temporário do bem.

Como o patrimônio não lhe pertence de forma definitiva, ele não se comunica com o cônjuge. Dessa forma, bens fideicomissários são considerados incomunicáveis, pois sua titularidade é transitória.

Outra exceção trata das dívidas contraídas antes do casamento. No regime da comunhão universal, todo o patrimônio e todas as obrigações passam a ser comuns ao casal, exceto as dívidas adquiridas antes do matrimônio. Caso um dos cônjuges tenha contraído uma obrigação financeira antes do casamento, essa dívida permanece de sua exclusiva responsabilidade.

Entretanto, há exceções a essa regra: se as dívidas foram contraídas para despesas comuns do casal ou revertidas em proveito comum, passam a ser compartilhadas. Por exemplo, se um dos cônjuges contraiu uma dívida para custear o buffet do casamento ou adquiriu bens essenciais para o lar, a obrigação será comunicável, pois beneficiará ambos.

A quarta exceção refere-se às doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com cláusula de incomunicabilidade. Caso um noivo doe um imóvel à noiva antes do casamento e, posteriormente, o casal adote o regime da comunhão universal de bens, o bem doado será compartilhado entre ambos.

No entanto, se a doação for acompanhada de uma cláusula de incomunicabilidade, o bem permanecerá exclusivamente com o donatário. Dessa forma, a inclusão da cláusula é essencial para assegurar que a doação seja um presente exclusivo.

Outras exceções já conhecidas do regime da comunhão parcial de bens também se aplicam. Os bens de uso pessoal, os livros e os instrumentos de profissão são considerados incomunicáveis. Itens como joias, livros específicos da profissão e ferramentas de trabalho pertencem exclusivamente ao titular e não integram o patrimônio comum do casal. Por exemplo, um estetoscópio utilizado por um médico não será compartilhado com o cônjuge, pois se trata de um instrumento de profissão de uso exclusivo.

Os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge, bem como soldos, pensões e outras rendas semelhantes, também não se comunicam. O que pode ser partilhado são os bens adquiridos com esses rendimentos, e não os valores em si. Caso um cônjuge receba uma pensão, o montante em si não será compartilhado, mas os bens adquiridos com esse dinheiro integrarão o patrimônio comum.

Os bens herdados com cláusula de incomunicabilidade seguem a mesma lógica das doações. Caso um testador deseje que um bem deixado a um herdeiro não seja partilhado com seu cônjuge, deve incluir expressamente a cláusula de incomunicabilidade no testamento. Dessa forma, o bem permanecerá exclusivo do herdeiro e não será incluído na partilha em caso de divórcio.

Por fim, os direitos patrimoniais do autor também são considerados incomunicáveis. Os direitos autorais sobre obras intelectuais pertencem exclusivamente ao criador. No entanto, os rendimentos obtidos com a exploração dessas obras podem ser partilhados entre os cônjuges, uma vez que integram o patrimônio comum.

Caso os cônjuges desejem afastar essa regra, podem estabelecer um pacto antenupcial determinando que tais rendimentos permanecerão exclusivos do autor. Desde que válido, o pacto poderá modificar a regra geral do Código Civil e impedir a comunicação dos rendimentos.

Veja um resumo:

 

Tipo de Bem/Dívida

Regra

Bens doados/herdados com cláusula de incomunicabilidade

Não se comunicam

Bens fideicomissários

Não se comunicam

Dívidas contraídas antes do casamento

Não se comunicam, salvo se forem para benefício comum

Doações antenupciais com cláusula de incomunicabilidade

Permanecem exclusivas do donatário

Bens de uso pessoal, livros e instrumentos de profissão

Exclusivos do titular

Proventos do trabalho, soldos e pensões

Exclusivos do beneficiário, mas bens adquiridos com esses valores são partilhados

Direitos autorais

Não se comunicam, mas os rendimentos derivados podem ser partilhados

Doação entre cônjuges

A 3ª turma do STJ decidiu que, no regime de comunhão universal de bens, não é possível a doação entre cônjuges, pois o bem doado retornaria ao patrimônio comum do casal, tornando a doação ineficaz.

No caso analisado, uma esposa cedeu cotas de uma empresa ao marido, e após o falecimento dela, a doação foi considerada nula pelo STJ (REsp 1.787.027)

Diferenças entre regimes

Veja um comparativo entre os regimes de comunhão parcial e universal:

Aspecto

Comunhão Parcial de Bens

Comunhão Universal de Bens

Patrimônio comum

Apenas bens adquiridos após o casamento, salvo exceções

Todos os bens presentes e futuros do casal

Patrimônio individual

Bens adquiridos antes do casamento e heranças/doações sem comunicação

Somente bens gravados com cláusula de incomunicabilidade

Dívidas

Dívidas contraídas antes do casamento não se comunicam

Dívidas passadas e futuras fazem parte do patrimônio comum

Exigência de pacto antenupcial

Não

Sim

Possibilidade de sociedade empresarial

 

Sim

 

Não

 

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