Comunhão Parcial de Bens
Após a compreensão do conceito de regime matrimonial de bens e dos princípios que o regem, inicia-se a análise detalhada de cada um dos regimes, começando pelo da comunhão parcial de bens.
Esse regime é o mais comum e amplamente adotado na maioria dos casamentos.
A razão para sua predominância decorre do disposto no Código Civil, especificamente no art. 1.640, que estabelece que, na ausência de convenção entre os cônjuges, ou caso esta seja nula ou ineficaz, vigorará a comunhão parcial de bens.
Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.
Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.
A convenção mencionada refere-se ao pacto antenupcial, instrumento por meio do qual os cônjuges podem definir o regime de bens que será aplicado ao casamento.
Dessa forma, existe liberdade para a escolha do regime patrimonial, desde que essa escolha seja formalizada por meio de um pacto antenupcial válido. Caso não haja esse pacto ou ele seja considerado nulo, aplica-se a regra geral prevista no Código Civil, que determina a adoção da comunhão parcial de bens.
Esse regime caracteriza-se pela existência de três patrimônios distintos. Antes do casamento, cada cônjuge possui seu próprio patrimônio individual. A partir do momento em que o casamento é formalizado e entra em vigor o regime de bens, surge um terceiro patrimônio, correspondente aos bens comuns do casal. Assim, há:
- O patrimônio do marido;
- O patrimônio da esposa e
- O patrimônio comum formado após o casamento.
A regra geral da comunhão parcial estabelece que permanecem excluídos desse regime os bens que cada cônjuge possuía antes do casamento. Da mesma forma, também não integram o patrimônio comum aqueles bens adquiridos por causas anteriores ou alheias ao casamento.
Como exemplo, se uma pessoa recebe uma doação de seu pai no valor de mil reais antes de se casar e utiliza esse montante para adquirir um bem após o casamento, tal bem permanecerá como patrimônio exclusivo, pois sua aquisição decorreu de uma causa anterior ao casamento.
Por outro lado, os bens adquiridos onerosamente após o casamento, com esforço comum e com o patrimônio do casal, integram o patrimônio comum. Dessa forma, qualquer bem adquirido após a formalização da união, desde que tenha sido adquirido onerosamente e com recursos oriundos do casal, será compartilhado por ambos.
Embora a regra geral seja essa, existem diversas exceções ao regime da comunhão parcial de bens. No entanto, essas exceções serão abordadas em um momento posterior.
Os arts. 1.658 a 1.666 do Código Civil disciplinam o regime de comunhão parcial de bens.
Na comunhão parcial de bens, a regra geral estabelece que todos os bens adquiridos onerosamente após o casamento integram o patrimônio comum do casal, diferenciando-se do patrimônio individual que cada cônjuge possuía antes do matrimônio.
No entanto, existem diversas exceções a essa regra, que devem ser analisadas detalhadamente.
Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III - as obrigações anteriores ao casamento;
IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Bens que não se comunicam
Os bens que não se comunicam na comunhão parcial de bens incluem, primeiramente, aqueles que cada cônjuge já possuía antes do casamento.
Assim, bens adquiridos individualmente antes da união permanecem de propriedade exclusiva de cada cônjuge e não são passíveis de partilha em caso de dissolução da sociedade conjugal.
Outra categoria de bens que não se comunicam inclui aqueles recebidos por doação ou sucessão. Caso um dos cônjuges receba um bem por doação, este permanecerá como seu patrimônio particular, sem integração ao acervo comum do casal.
O mesmo se aplica aos bens adquiridos por herança. Dessa forma, se um indivíduo recebe um imóvel por herança de seus pais, esse bem não será partilhado em caso de divórcio.
Ademais, bens sub-rogados também estão excluídos da comunicação patrimonial. Isso ocorre quando um bem de propriedade exclusiva de um dos cônjuges é utilizado para a aquisição de outro. Se um indivíduo recebe um imóvel por doação e posteriormente o utiliza para a aquisição de outro bem, este novo bem também permanecerá como seu patrimônio particular.
Os bens adquiridos com recursos exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges também não se comunicam. Caso um indivíduo utilize valores que já possuía antes do casamento para adquirir um novo bem, este continuará a ser de sua propriedade exclusiva.
Outros bens excluídos da comunicação incluem os bens de uso pessoal, livros e instrumentos de profissão. O cônjuge não tem interesse direto em bens de uso estritamente pessoal do outro, como joias ou objetos de valor afetivo. Da mesma forma, os instrumentos necessários para o exercício da profissão de cada cônjuge também não são comunicáveis.
Os proventos do trabalho de cada cônjuge, bem como pensões, meios soldos e outras rendas semelhantes, também não se comunicam. Embora os bens adquiridos com esses recursos possam ser partilháveis, os valores recebidos diretamente por um dos cônjuges não integram o patrimônio comum.
Obrigações não se comunicam
Obrigações anteriores ao casamento também não são partilháveis. O cônjuge não pode ser responsabilizado por dívidas ou compromissos assumidos pelo outro antes do matrimônio, uma vez que não participou da decisão nem dos efeitos da obrigação.
As obrigações provenientes de atos ilícitos, em regra, também não se comunicam. Entretanto, caso haja um benefício direto para o casal proveniente do ato ilícito, poderá haver comunicação patrimonial. Por exemplo, se um indivíduo obtém vantagem financeira ilícita e utiliza esses recursos para sustento familiar, poderá haver um entendimento de comunicação do proveito gerado.
Dessa forma, na comunhão parcial de bens, embora a regra geral preveja a comunicação dos bens adquiridos onerosamente durante o casamento, existem diversas exceções que asseguram a manutenção de determinados bens como de propriedade exclusiva de cada cônjuge.
No regime de comunhão parcial de bens, é fundamental compreender quais bens são comunicáveis, ou seja, quais pertencem a ambos os cônjuges após o casamento.
Art. 1.660. Entram na comunhão:
I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;
II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Bens comunicáveis
Inicialmente, os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento são partilhados entre os cônjuges.
Independentemente da realização de pacto antenupcial ou da adoção da comunhão parcial, qualquer bem adquirido onerosamente durante o casamento pertence a ambos.
Outra categoria de bens comunicáveis inclui aqueles adquiridos por fato eventual, como prêmios de loteria, bingo ou qualquer outra forma de ganho fortuito. Assim, não é possível que um dos cônjuges ganhe na loteria, divorcie no dia seguinte e retenha integralmente o valor do prêmio, pois há comunicação patrimonial entre ambos.
Ademais, os bens recebidos por doação, herança ou legado em favor de ambos também são comunicáveis. A regra geral estabelece que os bens recebidos por doação são particulares, pertencendo exclusivamente ao beneficiário. No entanto, é possível que o doador expresse, por meio de escritura pública, a intenção de que o bem seja concedido ao beneficiário e a seu cônjuge.
Da mesma forma, um testamento pode prever que os bens herdados serão comunicáveis ao cônjuge do herdeiro, desde que essa vontade esteja expressa no documento. Caso não haja expressa previsão de comunicação, o bem permanece exclusivamente com o herdeiro.
As benfeitorias realizadas em bens particulares também são passíveis de comunicação. Caso um dos cônjuges possua um imóvel antes do casamento e, durante a relação, sejam realizadas melhorias estruturais, como a construção de um novo andar, essa benfeitoria será comunicável. O imóvel original permanece como bem particular, mas os acréscimos e melhorias introduzidas no período do casamento serão partilhados em caso de divórcio.
Os frutos de bens comuns ou particulares também são comunicáveis. Um exemplo clássico refere-se aos aluguéis recebidos por um bem particular de um dos cônjuges.
Se um imóvel particular é alugado e a renda obtida com essa locação é utilizada para despesas comuns do casal, essa receita passa a ser comunicável. O mesmo ocorre se um bem comum do casal for alugado, pois os valores advindos dessa locação beneficiam ambos e, consequentemente, devem ser partilhados.
Exceções a essa regra ocorrem quando há disposição expressa no sentido de exclusão ou inclusão de determinados bens na comunicação patrimonial do casal.
Veja um resumo dos bens comunicáveis e dos incomunicáveis na tabela abaixo:
Bens comunicáveis |
Bens incomunicáveis |
Bens adquiridos onerosamente durante o casamento |
Bens adquiridos antes do casamento |
Bens adquiridos por fato eventual (exemplo: prêmios de loteria) |
Bens recebidos por doação, herança ou legado de forma exclusiva para um dos cônjuges |
Bens recebidos por doação, herança ou legado em favor de ambos os cônjuges |
Bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges antes do casamento |
Benfeitorias realizadas em bens particulares durante o casamento |
Bens de uso pessoal, exceto joias e objetos de alto valor |
Frutos de bens comuns ou particulares percebidos na constância do casamento |
Proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge |