Fixação da Pena: Sistema Trifásico e Primeira Fase
Sistema Trifásico
A aplicação da pena é um ato discricionário juridicamente vinculado. Ela não é uma tarefa automatizada, não pode ser feita em procedimento padrão eletrônico, por exemplo, por respeito ao princípio da individualização da pena. O magistrado tem liberdade para fixar a pena no caso concreto, de forma fundamentada, mas há limites legais aos quais ele deve se ater.
No passado, houve intenso debate doutrinário sobre como deveria ser aplicada a pena e quantas fases este processo teria. Apesar de alguns defenderem métodos bifásicos e até de quatro fases, prevaleceu, quanto à pena privativa de liberdade, o método trifásico, desenvolvido por Nelson Hungria (para a pena de multa, aplica-se o critério bifásico). Está inserida no art. 68 do Código Penal.
Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.
A primeira fase é prevista no art. 59 do Código Penal e é chamada de pena base. O juiz irá analisar uma série de circunstâncias relacionadas ao crime, previstas no dispositivo citado, e definir uma pena dentro dos limites abstratamente impostos (por exemplo, se for roubo, entre 4 e 10 anos). Ele jamais, na primeira fase, pode extrapolar os limites da pena abstrata.
Na segunda fase, o juiz aplica as circunstâncias agravantes e atenuantes em relação à pena base. Costuma-se utilizar sempre um aumento ou uma diminuição de 1/6, mas sempre respeitando os limites abstratos. Por fim, na terceira fase, aplicam-se as causas de aumento e de diminuição de pena, frações que alteram a pena do delito e que podem resultar em pena maior ou menor que a própria pena abstrata.
Como dito, a multa respeita um critério bifásico, previsto no art. 49 do Código Penal (primeiro número de dias-multa, pelos mesmos critérios da pena privativa de liberdade, e depois o valor do dia-multa, a partir de critérios econômicos.
Primeira Fase
Código Penal
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
Portanto, o juiz deve se ater aos oito critérios listados acima para escolher uma pena entre o limite máximo e mínimo. Por exemplo, a pena base do homicídio deve ficar entre 6 e 20 anos, jamais mais, jamais menos. Portanto, se todas as circunstâncias forem favoráveis, 6 anos; se todas forem desfavoráveis, 20 anos. O Código Penal não diz quanto aumenta e quanto diminui uma circunstância judicial, logo, o juiz não pode extrapolar a pena prevista pelo próprio legislador.
Por exemplo, se entre a pena máxima e mínima há 16 anos, cada circunstância deve valer 2 anos (16 anos dividido por 8 circunstâncias).
O que é o crime qualificado? É uma situação que altera a pena cominada do crime, ou seja, a pena abstrata. Por exemplo, o homicídio qualificado passa a ter pena de 12 a 30 anos, de forma que a pena base deve ficar nesse intervalo.
E se há duas qualificadoras no caso concreto? O juiz a utiliza exatamente para qualificar o crime, ou seja, alterar o intervalo das penas. A segunda pode ser utilizada como agravante ou como causa de aumento de pena, se houver previsão assim. Se não existir, será uma circunstância judicial desfavorável para aumentar a pena base.
O art. 59 fala em culpabilidade, que substitui o que antes se chamava de intensidade do dolo e grau da culpa. Esta culpabilidade, circunstância judicial do art. 59, é a mesma da Teoria do Crime? Não, o Código Penal cometeu um erro, pois a culpabilidade agora estudada deveria ser chamada de “grau de culpabilidade”, como o próprio STF já afirmou (Info 724). Todo agente culpável envolvido na prática de um crime será condenado, variando sua pena a depender do seu grau de culpabilidade.
O comportamento da vítima é outra circunstância do art. 59 do Código Penal. Segundo o STJ, é uma circunstância neutra: se a vítima não interferiu, a pena fica igual; se a vítima “colaborou” com o crime, a pena base do réu será diminuída. Portanto, ela jamais iria piorar a situação do réu. Por exemplo, alguém saca dinheiro no banco e fica na rua contando as cédulas. Isso não justifica o crime, mas auxilia na sua ocorrência, diminuindo um pouco a pena do agente. Isto jamais deve ser utilizado para diminuir pena base em crimes sexuais.
O dispositivo também fala dos antecedentes criminais. Os “bons” antecedentes seriam a simples ausência de situações com a justiça criminal. Se, porém, o juiz encontra “problemas” criminais, o sujeito tem maus antecedentes – é uma relação criminal, pouco importando dívidas, atos infracionais e etc.
O que caracteriza os antecedentes? São apenas condenações definitivas do réu, ou seja, com trânsito em julgado, em respeito ao princípio da presunção de inocência ou de não culpabilidade.
Súmula 444, STJ: é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.
Qual é a validade dessa condenação anterior para fins de antecedentes, ou seja, vale por quanto tempo? Na reincidência, o Código Penal adota o sistema da temporariedade – a condenação vale por 5 anos após a extinção da pena para configuração de reincidência. Para fins de antecedentes, o diploma é silente.
Existiam duas posições. A primeira dizia que ela valia por 5 anos, pois este é o teto da reincidência. Porém, prevalece que os antecedentes valem para sempre, adotando-se o sistema da perpetuidade, conforme entendimento do STF em repercussão geral reconhecida.