Características
As características dos alimentos são aspectos essenciais para compreender a natureza desse direito. Ao todo, são dez características. Nesta aula serão abordadas cinco.
Direito personalíssimo
A primeira característica é a de ser um direito personalíssimo, exclusivo do beneficiário. Ou seja, a pessoa que necessita dos alimentos é a única que pode requerê-los.
Esse caráter impede que o direito aos alimentos seja transferido a terceiros, seja por cessão, compensação ou penhora, conforme disposto no art. 1.707 do Código Civil.
Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.
O STJ tem reiteradamente afirmado essa característica. No REsp 1.771.258, a Corte destacou que os alimentos integram o patrimônio moral do alimentando, sendo intransmissíveis devido ao seu viés personalíssimo.
Nesse caso, após a alteração da guarda em favor do alimentante, a genitora não pôde prosseguir na execução dos alimentos vencidos em nome próprio, pois o direito aos alimentos não se transmite a terceiros.
Em outra decisão, o STJ reafirmou que, em virtude da natureza personalíssima dos alimentos, não é possível a transmissão desse direito aos herdeiros em caso de falecimento do alimentando, mesmo que haja prestações vencidas e não pagas. Essa orientação visa evitar o desvio da função alimentar, mantendo o foco na subsistência do alimentando.
Portanto, tanto a doutrina quanto a jurisprudência brasileira reconhecem o caráter personalíssimo dos alimentos, assegurando que esse direito seja exercido exclusivamente pelo beneficiário, sem possibilidade de transferência a terceiros.
Ninguém pode pleitear alimentos em nome de outra pessoa, tampouco transferir esse direito. Quando os alimentos são concedidos, pertencem exclusivamente a quem os recebe.
Reciprocidade
A segunda característica é a reciprocidade. O direito aos alimentos é uma via de mão dupla, pois a obrigação de prestar alimentos também se aplica em sentido inverso.
Isso significa que, caso um filho necessite de auxílio financeiro para subsistência, ele pode solicitar alimentos dos pais. Da mesma forma, se os pais necessitarem de suporte financeiro para garantir sua subsistência, podem solicitar alimentos aos filhos.
Conforme o art. 1.694 do Código Civil:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
Esse princípio também se estende às relações entre ex-cônjuges ou ex-companheiros. Em casos de divórcio, quando um dos cônjuges se encontra em situação de vulnerabilidade econômica, é possível requerer uma pensão alimentícia.
Contudo, a jurisprudência atual do STJ tem enfatizado que essa obrigação possui caráter excepcional e transitório.
A prestação de alimentos entre ex-cônjuges deve ser fixada com termo certo, assegurando ao alimentado tempo hábil para sua inserção ou reinserção no mercado de trabalho, visando à sua autonomia financeira. Essa orientação visa evitar que a obrigação alimentar se perpetue indefinidamente.
Um exemplo clássico ocorre quando, durante o casamento, um dos cônjuges se dedicou ao lar enquanto o outro construiu um patrimônio significativo. Nesse caso, aquele que se dedicou ao lar pode ter direito à pensão alimentícia para garantir sua qualidade de vida após a separação.
No entanto, há situações em que a obrigação alimentar entre ex-cônjuges pode ser estendida por período indeterminado, especialmente quando o alimentando demonstra incapacidade de se reinserir no mercado de trabalho ou de adquirir autonomia financeira, como em casos de idade avançada ou problemas de saúde que impeçam o exercício de atividade laboral.
Irrenunciabilidade
A terceira característica é a irrenunciabilidade. O direito aos alimentos não pode ser renunciado, ou seja, não é permitido abdicar desse direito por meio de declaração ou documento.
Conforme o art. 1.707 do Código Civil:
Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.
O beneficiário pode optar por não exercer esse direito, isto é, pode decidir não ingressar com uma ação judicial para cobrar alimentos. No entanto, é inválido firmar um compromisso definitivo de que nunca exercerá esse direito.
Por exemplo, um filho menor de idade de pais separados pode escolher não ingressar com uma ação contra o genitor que deveria pagar alimentos, mas não pode formalizar uma renúncia absoluta desse direito em escritura pública ou outro documento.
Irrepetibilidade
A quarta característica é a irrepetibilidade. Os valores pagos a título de alimentos não podem ser restituídos, mesmo que posteriormente se descubra que o pagamento foi indevido.
Diferentemente de outras obrigações, em que o pagamento indevido pode ser restituído, nos alimentos não existe essa possibilidade, pois se presume que os valores recebidos tenham sido utilizados para a subsistência do alimentando.
Um exemplo ocorre quando um pai é condenado a pagar alimentos a um suposto filho. Se, após anos de pagamento, um exame de DNA comprovar que ele não é o pai biológico, os valores já pagos não poderão ser restituídos, pois se presume que foram utilizados para a sobrevivência do beneficiário.
O STJ já decidiu que, em se tratando de verba alimentar percebida por força de tutela de urgência posteriormente revogada, aplica-se o princípio da irrepetibilidade dos alimentos, ou seja, os valores pagos não são passíveis de devolução.
Além disso, também já decidiu que quem paga pensão alimentícia não tem o direito de entrar com ação de prestação de contas contra o outro genitor da criança. Isso porque essa ação não traria nenhum benefício prático, já que, mesmo que se descubra que algum valor foi mal usado, o pagador não pode pedir o dinheiro de volta, pois os alimentos pagos não podem ser restituídos.
Embora o princípio da irrepetibilidade dos alimentos seja amplamente aceito, há discussões na doutrina e na jurisprudência sobre a possibilidade de sua relativização em casos específicos, como quando há má-fé por parte do alimentando.
Impenhorabilidade
A quinta característica é a impenhorabilidade. Os valores recebidos a título de alimentos não podem ser penhorados para pagamento de dívidas.
O fundamento dessa regra é que os alimentos são destinados à subsistência do beneficiário, garantindo sua sobrevivência. Dessa forma, caso o alimentando contraia uma dívida, seu credor não pode solicitar que os valores pagos a título de alimentos sejam utilizados para salda-la.
O direito à vida e à dignidade se sobrepõe às obrigações financeiras, de modo que o credor deve buscar outras formas de cobrar sua dívida.
A doutrina majoritária afirma que os alimentos possuem natureza existencial, voltada à garantia dos direitos fundamentais, em especial os direitos à vida, saúde e dignidade (art. 1º, III, e art. 6º da CF/88). Segundo Maria Berenice Dias, “os alimentos se destinam à manutenção do alimentando, sendo personalíssimos, intransferíveis e, principalmente, impenhoráveis”.
Carlos Roberto Gonçalves também destaca que os alimentos, por sua própria natureza, “não se destinam à formação de patrimônio, mas à subsistência, de forma que não podem ser utilizados para satisfazer créditos de terceiros”.
O STJ (AgRg no REsp 1.240.005) já firmou entendimento no sentido de que os valores recebidos a título de alimentos são absolutamente impenhoráveis, ainda que o alimentando tenha contraído dívidas.
Além disso, o STJ reforça que nem mesmo a dívida de natureza alimentar contraída pelo alimentando pode justificar a penhora dos valores que ele recebe a esse título, pois se trata de credor de alimentos em situação inversa, e não da fonte pagadora original.
Incompensabilidade
A compensação é um instituto do Direito Civil que se aplica quando duas pessoas são, ao mesmo tempo, credoras e devedoras entre si, no mesmo valor.
Por exemplo, se uma pessoa deve R$ 1.000,00 a outra e, ao mesmo tempo, é credora dessa mesma pessoa no mesmo valor, as dívidas se compensam — uma anula a outra, como se ambas tivessem se quitado mutuamente.
A compensação está prevista nos arts. 368 a 380 do Código Civil. Contudo, o próprio Código Civil, em seu art. 373, II, prevê uma exceção clara à possibilidade de compensação:
Art. 373. Não pode compensar-se a dívida: [...]
II - de alimentos.
A doutrina é unânime em afirmar que a obrigação alimentar é indisponível, personalíssima e tem caráter de urgência, razão pela qual não pode ser objeto de compensação.
Isso porque o crédito alimentar visa à subsistência do alimentando, e permitir que o devedor se exonere de sua obrigação por via indireta (como a compensação) violaria a função social e protetiva do instituto.
Segundo Maria Berenice Dias, “a obrigação alimentar reveste-se de natureza especial, por isso as regras comuns das obrigações não se aplicam de forma absoluta”.
Carlos Roberto Gonçalves destaca que a incompensabilidade visa impedir manobras do devedor para se esquivar do pagamento sob pretexto de débitos paralelos, o que poderia agravar ainda mais a situação de vulnerabilidade do alimentado.
Dedução
Embora a regra geral seja a vedação da compensação, o Tribunal reconhece que situações excepcionais podem justificar uma dedução do valor executado, especialmente quando há consentimento da parte credora e as despesas in natura atendem efetivamente às necessidades essenciais do alimentado.
Por unanimidade, em 2018, a 3ª turma do STJ entendeu que um pai poderia deduzir do valor da execução de alimentos as despesas de moradia (aluguel, condomínio e IPTU) que ele pagou diretamente, em vez de depositar os valores da pensão, desde que tais pagamentos tenham sido feitos com o consentimento da mãe da criança e revertidos em benefício direto do filho.
Transmissibilidade
Em regra, os alimentos são transmissíveis aos herdeiros do devedor. Caso o devedor venha a falecer, a obrigação alimentar é repassada aos seus herdeiros.
Por exemplo, se um pai falecido pagava alimentos a um filho menor e tinha outros filhos maiores de idade, a obrigação alimentar será transmitida aos herdeiros (os filhos maiores), que passam a ser responsáveis pelo pagamento da pensão.
A transmissibilidade da obrigação alimentar encontra respaldo nos arts. 1.700 e 1.794 do CC.
Art. 1.700. A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.794.
Art. 1.794. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas os herdeiros só respondem por elas nos limites das forças da herança.
Limites
A maior parte da doutrina entende que a obrigação alimentar se transmite aos herdeiros, mas estes só respondem nos limites do patrimônio herdado, conforme expressamente previsto no art. 1.794 do Código Civil. Essa posição busca compatibilizar a proteção do credor alimentar com os princípios sucessórios e da responsabilidade patrimonial.
Doutrinadores que sustentam essa tese:
- Maria Berenice Dias: Destaca que “a obrigação alimentar se transmite aos herdeiros do devedor, mas apenas até o limite da herança, pois não há responsabilidade pessoal do herdeiro”.
- Carlos Roberto Gonçalves: Enfatiza que a obrigação alimentar é transmissível, “mas a responsabilidade dos herdeiros é limitada à herança recebida”.
Uma vertente minoritária da doutrina defende que não há na lei limitação expressa sobre a obrigação alimentar ser restrita à força da herança. Assim, diante da ausência de previsão específica no art. 1.700, essa corrente entende que os herdeiros podem responder pela integralidade da obrigação, independentemente do valor herdado.
Divisibilidade ou não solidariedade
O princípio da divisibilidade (ou não solidariedade) nas obrigações alimentares múltiplas é amplamente aceito pela doutrina e pela jurisprudência brasileiras.
Quando há mais de um responsável legal pela prestação de alimentos (como pai e avós, ou mãe e padrasto), a regra geral é que cada devedor responde apenas por sua quota-parte, não havendo solidariedade entre eles, salvo exceção legal ou convenção.
O Código Civil não impõe solidariedade nas obrigações alimentares entre parentes:
Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Esses artigos revelam que a obrigação alimentar é divisível, pois não há previsão legal de solidariedade. A responsabilidade é subsidiária e escalonada entre os parentes, conforme grau de parentesco e possibilidade econômica.
Imprescritibilidade
O direito de pedir alimentos, fundado na necessidade de subsistência e na solidariedade familiar, não prescreve. Uma pessoa pode ingressar com ação de alimentos a qualquer tempo, desde que demonstre necessidade atual e o réu tenha possibilidade de prestar.
Consoante o Código Civil:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
O que prescreve é o direito de cobrar os alimentos já fixados e não pagos: o prazo é de 2 anos para a cobrança.
A jurisprudência do STJ firmou que, uma vez fixados judicialmente os alimentos, as prestações vencidas se submetem à regra de prescrição do art. 206, §2º, do Código Civil, ou seja, prescrevem em 2 anos.
Esse entendimento visa dar segurança jurídica ao devedor, evitando a cobrança indefinida de dívidas antigas e acumuladas.
Assim, se já houve sentença determinando o pagamento de alimentos, mas o devedor não efetuou os pagamentos, o credor tem 2 anos para cobrar os valores em atraso.
Exceções
Existem, porém, exceções importantes à prescrição:
- Menores de 16 anos (absolutamente incapazes):
- Conforme o art. 198, I, do Código Civil, não corre prescrição contra os absolutamente incapazes, entre os quais estão os menores de 16 anos.
- Assim, não há limite temporal para a cobrança de alimentos atrasados quando o credor for menor de 16 anos.
- Entre ascendentes e descendentes enquanto vigente o poder familiar: o poder familiar (antigo pátrio poder) se extingue com a maioridade (18 anos). Enquanto vigente, não corre prescrição entre pais e filhos, conforme prevê o art. 197, II, do Código Civil
Inalienabilidade e incessibilidade
O princípio da inalienabilidade e incessibilidade dos alimentos decorre diretamente da natureza personalíssima da obrigação alimentar.
Trata-se de uma garantia jurídica que visa preservar a função existencial e de subsistência dos alimentos, evitando que esse direito, voltado à dignidade da pessoa humana, seja tratado como uma mercadoria ou objeto de especulação.
Assim como os alimentos são impenhoráveis — ou seja, não podem ser penhorados para pagar dívidas do alimentado —, também não podem ser transferidos a terceiros.
O direito a alimentos é exclusivo da pessoa que os recebe. Se alguém tentar vender ou ceder esse direito, presume-se que não precisa dele para sobreviver, o que vai contra sua própria finalidade.
Portanto, o direito aos alimentos não pode ser alienado ou cedido, pois está diretamente ligado à subsistência do credor.
Característica |
Descrição |
Direito personalíssimo |
Direito exclusivo do beneficiário. Não pode ser transferido, penhorado ou cedido. STJ reafirma que o direito é intransmissível (REsp 1.771.258). |
Reciprocidade |
Pode ser exigido de forma recíproca entre pais e filhos, cônjuges e companheiros. Ex-cônjuges podem requerer em casos de vulnerabilidade, com caráter transitório. |
Irrenunciabilidade |
Não pode ser renunciado. O credor pode deixar de exercer o direito, mas não pode abdicar dele definitivamente (art. 1.707 CC). |
Irrepetibilidade |
Valores pagos, mesmo que indevidos, não podem ser restituídos. STJ aplica o princípio da irrepetibilidade inclusive em tutela de urgência. |
Impenhorabilidade |
Valores recebidos a título de alimentos são absolutamente impenhoráveis, mesmo diante de dívidas do alimentando (AgRg no REsp 1.240.005). |
Incompensabilidade |
A dívida de alimentos não pode ser compensada com outra dívida, conforme art. 373, II, do CC. A doutrina reforça a natureza especial do crédito alimentar. |
Transmissibilidade |
A obrigação se transmite aos herdeiros do devedor, limitada ao valor da herança recebida (arts. 1.700 e 1.794 CC). |
Divisibilidade ou não solidariedade |
A obrigação é divisível entre os devedores, que respondem na proporção de suas possibilidades. Não há solidariedade (art. 265 CC). |
Imprescritibilidade |
O direito de pedir alimentos é imprescritível. A cobrança de parcelas vencidas prescreve em 2 anos (art. 206, §2º CC), com exceções legais. |
Inalienabilidade e incessibilidade |
Os alimentos são inalienáveis e incessíveis. Não podem ser vendidos ou cedidos, pois são destinados exclusivamente à subsistência do credor. |