Limitações ao Poder de Tributar: Princípios

Aspectos gerais

Direito tributário: obedece aos princípios constitucionais gerais, mas também detém princípios específicos destinados a salvaguardar o direito dos contribuintes.

Isto porque a tributação é uma ação invasiva e esbulhatória do Estado contra o patrimônio dos indivíduos. Sendo assim, são necessários os princípios gerais e específicos para a proteção aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos contra esta atividade (para que seja feita de forma correta, não-abusiva).

Por estes motivos, a CF traz limitações ao poder de tributar, as quais consistem em princípios e imunidades.

Princípio da Legalidade Tributária

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

 Este princípio determina que o tributo só pode ser exigido ou aumentado através de Lei.

Legalidade estrita ou reserva legal

Esta legalidade é mais contundente que a legalidade geral prevista no artigo 5º, II da CF. Isto porque já faz parte do conceito de tributo o fato de ele ser instituído por lei, e isto impede que qualquer governante se valha de ato arbitrário para instituir tributação.

A criação por lei obriga a devida discussão e tramitação pelo Congresso, dando tempo inclusive para manifestação popular a respeito da instituição do tributo, evitando que a população seja pega de surpresa.

Portanto, todos os elementos essenciais (fato gerador ou hipótese de incidência) de um tributo devem ser veiculados por lei, com algumas exceções:

Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre Produto Industrializado e Imposto sobre Operações Financeiras podem ter suas alíquotas fixadas em decreto presidencial.

Esta exceção é fundamentada na extrafiscalidade, pois tais impostos têm o condão de regular a economia, o que por vezes deve ser feito de forma rápida para estimular o crescimento econômico. Sendo assim, diante de adversidades do mercado, seria inviável esperar o trâmite no Congresso.

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

I - importação de produtos estrangeiros;

II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;

III - renda e proventos de qualquer natureza;

IV - produtos industrializados;

V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;

VI - propriedade territorial rural;

VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.

§ 1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.

Princípio da Isonomia Tributária

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

 Este princípio constitucional reforça que todos os indivíduos sujeitos a tributação devem ser tratados da mesma forma, sendo proibida qualquer distinção entre eles.

Trata-se de um reforço pragmático ao principio geral da isonomia previsto no artigo 5º, I da CF. Este princípio se faz necessário porque, antes da CF/88, certas categorias profissionais gozavam de privilégios tributários (parlamentares, militares, magistrados, etc.).

Atualmente, todos devem pagar tributos de forma isonômica. Esta constatação nos leva ao próximo princípio...

Princípio da Capacidade Contributiva

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

(…)

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Apesar de todos terem que pagar tributos, o pagamento se dá de forma isonômica e não igual. Ressaltamos que se fosse igual para todos, todos pagariam o mesmo valor tributos, o que não seria correto, considerando a desigualdade econômica existente.

Desta forma, este princípio é um reforço programático aos ditames da isonomia material: ”quem ganha mais, paga mais”. Trata-se de equidade, igualdade material.

Embora o dispositivo constitucional restrinja o princípio apenas aos impostos, o STF o considera informador de toda a ordem tributária, sendo aplicável, quando compatível, também a outros tributos.

Para materializar este princípio, verifica-se a existência de dois critérios de aferição de tributos: proporcionalidade e progressividade.

► Proporcionalidade: o valor do tributo varia em função da base de cálculo, tendo alíquota fixa.

Exemplo: IPVA – seu valor varia de acordo com o valor do automóvel.

Em São Paulo, por exemplo, caso uma pessoa tenha um carro de passeio, a alíquota que incidirá sobre ele para cálculo do IPVA é de 4%. Assim, quem tem um carro de R$ 100.000,00 pagará R$ 4.000,00 de IPVA e quem tem um carro no valor de R$ 30.000,00, pagará R$ 1.200,00 de IPVA.

O valor do carro, neste caso, é a base de cálculo. A alíquota (4%) é sempre a mesma, mas quem tem mais capacidade de contribuir, isto é, quem tem o bem mais valioso, pagará mais imposto.

► Progressividade: o valor do tributo varia juntamente com a alíquota, conforme a base de cálculo.

Exemplo: IR – seu valor varia de acordo com o patrimônio do contribuinte.

Para a cobrança deste imposto, quanto mais a pessoa ganha (quanto maior a base de cálculo), também maior será a porcentagem de imposto incidente (maior a alíquota).

Base de cálculo = quanto o contribuinte ganha mensalmente

Alíquota = quanto de imposto incidirá sobre seus ganhos

Até R$ 1.903,98

-

De R$ 1.903,99 até R$ 2.826,65

7,5%

De R$ 2.826,65 até R$ 3.751,05

15%

De R$ 3.751,05 até R$ 4.664,68

22,5%

Acima de R$ 4.664,68

27,5%

STF já se pronunciou no sentido de que a atribuição progressiva de impostos reais é constitucional, mesmo não havendo previsão expressa na constituição. Desta forma, impostos como ITCMD poderão variar de acordo com o valor dos bens transmitidos, logo, quem tem mais bens, pagará mais impostos (RE 562045/RS).

Princípio da Uniformidade Geográfica

Art. 151. É vedado à União:

I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País;

Este princípio determina que os tributos instituídos pela União devem ser cobrados de maneira uniforme em todo o território nacional.

Este princípio também decorre do principio da isonomia formal, pois materializa o fato de que todos devem pagar tributos de forma isonômica.

Por outro lado, podem ser concedidos favores fiscais a certas regiões como estímulo ao desenvolvimento, como na Zona Franca de Manaus.

Princípio do Não-Confisco

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

IV - utilizar tributo com efeito de confisco;

Decorre da proteção constitucional à propriedade.

Como dissemos anteriormente, a atividade tributária não deixa de ser uma ação erosiva e esbulhatória do Estado contra o patrimônio dos indivíduos, então é necessário que haja este princípio que proíbe que o tributo seja usado como um meio de confiscar o patrimônio da população. Não existe, todavia, um parâmetro objetivo para dizermos se o ente tributador cobrou demais ou não.

Diante desta ausência de critérios objetivos de aferição, o Judiciário é quem poderá dizer, no caso concreto, conforme o juízo de equidade, se a tributação foi feita fora dos ditames razoáveis.

STF já se pronunciou várias vezes pela inconstitucionalidade de tributos com base neste princípio.

Princípio do Livre Tráfego

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;

É vedado que sejam cobrados tributos para que as pessoas trafeguem internamente pelo país. Este princípio decorre do direito fundamental de ir e vir.

Ressalte-se que o dispositivo constitucional faz exceção aos pedágios, pois consistem em uma contribuição para manutenção das vias, que são conservadas pelo Poder Público. Ainda assim, há discussões a este respeito, pois veja: o Código Civil brasileiro cita em seu art. 99 que “São bens públicos: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; [...]”. Fica aí a reflexão.

Este princípio aplica-se internamente ao território nacional pois, para entrar ou sair do país, pode haver incidência de tributação: Imposto de Importação e de Exportação. Uma vez que as pessoas ou bens chegam ao território nacional, não podem ser tributados para circular internamente.

Princípio da Irretroatividade

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[…]
III – cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado

É vedado que uma nova lei (que houver instituído ou majorado tributos) retroagir a fatos geradores ocorridos antes do início de sua vigência. Ou seja, a nova lei se aplicará aos fatos geradores ocorridos no após a sua edição

A irretroatividade está intimamente ligada com o princípio da segurança jurídica. 

Princípio da anterioridade

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[…]
III – cobrar tributos:

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

Outro princípio com forte relação com a segurança jurídica e previsibilidade, a anterioridade afirma que os tributos só podem ser cobrados a partir do exercício financeiro seguinte da data de publicação da lei. Ou seja, uma lei que institua tributo publicada em 2024 só terá efeitos a partir de 1º de janeiro de 2025.

Entretanto, para evitar que leis fosse editadas muito próximas do final do ano, dando pouco tempo de preparação dos contribuintes, o princípio da anterioridade se desdobra na "anterioridade nonagesimal", também conhecida como "noventena":

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[…]
III – cobrar tributos:

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;”

Portanto, a cobrança dos tributos também não pode ser exercida antes de passados noventa dias da data da lei que os instituiu ou majorou. 

Outros Princípios

Em dezembro de 2023, foi aprovada a EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 132, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2023que trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro novos princípios expressos em matéria de sistema tributário:

O parágrafo 3º do artigo 145 traz agora expressamente 5 princípios:

§ 3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente. 

Simplicidade

O princípio da simplicidade diz respeito à necessidade do regime jurídico tributário ser de fácil entendimento por parte do contribuinte, além de ser de fácil aplicação.

Como decorrência, as formas de calcular os valores devidos e as relações entre alíquotas, bases de cálculos e exceções devem sempre ser as menos complexas possíveis, especialmente em termos de sua interpretação e aplicação,

Transparência

O princípio trata-se da necessidade dos contribuintes saibam com clareza o quanto estão pagando, especialmente nos casos de diferenciação entre o contribuinte de fato e de direito.

Deve ser de fácil percepção quais atos são fatos geradores e quem são os autores.

Justiça Tributária

Trata-se de um princípio amplo que abarca ideias de outros princípios expressos na Constituição e em outros ramos do direito como a isonomia (tratamento equivalente conforme o caso concreto), respeito à capacidade contributiva, busca do suprimento às necessidades coletivas, caráter distributivo da renda, justa distribuição dos recursos aos entes federados, direito de petição, razoabilidade, autotutela da administração pública, entre outros relacionados.

Cooperação

A princípio da cooperação se refere a busca da participação, integração e interação dos entes federados, além de colaboração entre a Fazenda Pública e o contribuinte para o alcance de uma melhor forma de tributação, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos.

Defesa do Meio Ambiente

O princípio se refere ao papel do Sistema Tributário na defesa do meio ambiente, seja no incentivo à práticas de defesa do meio ambiente (em uma lógica de protetor-receptor do Direito Ambiental) ou com a tributação de condutas nocivas (em uma lógica de poluidor-pagador).

Atenuação da Regressividade

O art. 145 também traz um novo paradigma para o sistema tributário:

§ 4º As alterações na legislação tributária buscarão atenuar efeitos regressivos.

A regressividade trata-se de uma tributação que acaba incidindo mais sobre quem tem menos, ferindo a isonomia e o princípio da capacidade contributiva. O sistema tributário deve buscar uma tributação equilibrada, respeitando as capacidades dos contribuintes.

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