Financiamento do Estado e Fundamentos do Sistema Tributário Nacional
Introdução
Por que pagamos tributos? Para respondermos a esta pergunta, voltemos nosso estudo às Revoluções Burguesas do século XVII, mais especificamente à Revolução Francesa.
Estas revoluções deram origem ao que hoje conhecemos como Estado Democrático de Direito, bem como aos Direitos Fundamentais de primeira geração.
Os Direitos Fundamentais de primeira geração são direitos inerentes às liberdades dos indivíduos. Diz-se que têm caráter negativo porque demandam uma abstenção do Estado, ou seja, demanda que o Estado permita a livre ação do indivíduo que age conforme seus direitos. Direitos civis e políticos, por exemplo, limitam os poderes absolutos do Estado na medida em que resguardam a liberdade e a autodeterminação do indivíduo. Mais exemplos de Direitos Fundamentais de primeira geração são: vida, liberdade, igualdade formal, propriedade, expressão, religião, participação política.
O conceito destes direitos faz surgir o Estado Mínimo, ou seja, aquele que limite sua atuação às atribuições típicas (político-administrativa, de defesa nacional, etc.).
Em razão do Estado Mínimo é que surge o Estado Fiscal. Ora, já que o Estado deve se limitar às suas atribuições típicas, e tendo o dever de cumprir com elas, como ele poderia gerar receita suficiente para se sustentar se não pudesse demandar auxílio de alguma maneira? Este é o motivo da instituição dos tributos.
O pagamento de tributos é o preço que se paga pela não intervenção estatal.
Os Direitos Fundamentais de primeira geração estão elencados no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
Ao longo dos séculos XIX e XX, a população começa a reivindicar melhor qualidade de vida, fazendo surgirem os Direitos Fundamentais de segunda geração.
Os Direitos Fundamentais de segunda geração são direitos de liberdades positivas, que exigem ação do Estado para garantia de igualdade material (equidade) entre os indivíduos. Uma vez que exigem atuação/prestação estatal, eles tem caráter positivo. Como exemplos de Direitos Fundamentais de segunda geração estão saúde, educação, trabalho, habitação, previdência, assistência e segurança.
Estas prestações do Estado também devem ser custeadas de alguma forma, e tendo em vista que, como já explicado, o Estado não gera receita a si mesmo, tais prestações são custeadas também pela tributação paga pela população.
Os Direitos Fundamentais de segunda geração estão elencados nos artigos 6º e 7º da Constituição Federal de 1988.
Modelos Econômicos de Estado pós 2ª Guerra Mundial
Com o passar do tempo, verificou-se que a tributação e a posição do Estado diante dos Direitos Fundamentais de primeira e segunda geração não eram previsões suficientes para abarcar todas as relações. Ademais, passou-se a questionar se o Estado deveria mesmo custear tudo apenas via tributação.
Desta forma, após a 2ª Guerra Mundial, passaram a ser discutidos dois modelos de Estado: Estado Regulador e Estado Desenvolvimentista.
Estado Regulador: mais liberal pois exercedor da regulamentação indireta, não intervindo ou intervindo muito pouco na economia. Guarda maior relação com Direitos Fundamentais de primeira geração.
Estado Desenvolvimentista: intervencionista, papel ativo do Estado no desenvolvimento econômico fazendo intervenções diretas na economia através de empresas estatais, fundações públicas e autarquias atuantes no dominio econômico. Este tipo de Estado é capaz de gerar receita própria, criando independência parcial dos tributos.
Modelo de Estado Vigente no Brasil
O Brasil adota um modelo misto, congregando o Estado Regulador e Desenvolvimentista. É que a nossa Constituição Federal define a subsidiariedade na intervenção direta pelo estado nas atividades econômicas, ou seja, esta deve ser evitada mas não totalmente banida, sendo aplicada somente:
(i) quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou
(ii) diante de relevante interesse coletivo.
Adota-se, então, o modelo de Estado regulador/fomentador/financiador, o qual não exerce a atividade reguladora de forma direta, mas regula indiretamente, financia e fomenta as atividades econômicas travadas no País.
Os artigos 170 e 174 da CF trazem características do Estado Regulador presentes em nosso modelo.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
§ 1º A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.
§ 2º A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.
§ 3º O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros.
§ 4º As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.
A base jurídica que fundamenta este modelo de Estado é a livre iniciativa. Prezando para que os particulares atuem na economia.
Já o artigo 173 da CF traz a característica de Estado Desenvolvimentista de nosso modelo.
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;
III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;
IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários;
V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.
§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.
§ 3º A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.
§ 4º - lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
Ambos os modelos de Estado são necessários, e evidentemente se faz estritamente importante que exista um Estado, o qual tenha bem definidos seus postulados negativos e positivos, ou seja, que saiba a hora de se abster e a hora de atuar.
Para cobrir os gastos que tanto a abstenção quanto a atuação geram, o Estado Brasileiro
(i) intervém diretamente na economia através de empresas estatais e
(ii) tributa a população.
É inviável que o Estado se financie exclusivamente pela intervenção econômica, excluindo a tributação, porque existem as já vistas limitações à sua atuação direta na economia. Trata-se do modelo escolhido e adotado por nossa Constituição.