As dicotomias são distinções amplas. O direito se vale de “lugares-comuns”, os chamados “topoi” (grego = lugar), com o objetivo de conceber problemas e procurar critérios norteadores.
Existem “grandes dicotomias” que são utilizadas como uma organização coerente e sistematizada de determinada matéria. Cumpre registrar, porém, que não há um rigor lógico nas dicotomias, de modo que estão em disputa permanente pela doutrina.
Conforme visto em aula, Hans Kelsen (conhecido jurista austríaco, nascido em 1881 e falecido em 1973 – fonte: Wikipedia), denomina essa organização de “sistema estático”, considerando se tratar de apenas um retrato, uma descrição. Caso em que apenas seria “dinâmico” se levasse em conta a criação, revogação ou modificação das normas.
Primeira dicotomia a ser por nós observada. Como citamos em aula, no Direito Romano e, especificamente, no Digesto de Justiniano, encontra-se a definição de que
“O direito público diz respeito ao estado da coisa romana, à polis ou civitas, o privado à utilidade dos particulares” (conforme D. 1.1.1.2).
Essa distinção é importante para estabelecer princípios teóricos próprios. Assim, é possível distingui-los com base nas seguintes teorias:
Se trata de princípio inerente e próprio do direito público e envolve:
Se trata de princípio por meio do qual a Administração Pública apenas pode impor sua vontade por meio de norma, significando que só a lei obriga o que deve ou não ser cumprido, com os seguintes desdobramentos:
Diferentemente do que impera no Direito Público, no Direito Privado o que é mandatório é o princípio da autonomia da vontade, por meio do qual o Direito permite que estes privads estabeleças normas entre si, de acordo com seus próprios interesses, tal como verificamos nos contratos e vontades unilaterais.
Obviamente há submissão à legalidade, isto é, se observa o que é lícito ou ilícito, mas não à estrita legalidade, como ocorre no Direito Público. Assim, no Direito Privado se deve agir conforme à lei, mas também pode se fazer tudo o que o ordenamento jurídico não proíbe ou obriga.
Como base principiológica do Direito Privado também podem ser citados: boa fé, responsabilidade civil e o pacta sunt servanda.
Essa distinção passa a ser importante para saber qual o quadro de referência e de princípios que vão incidir sobre determinado fato ou caso concreto. Como foi possível perceber nas aulas anteriores de cunho histórico, é possível dizer na antiguidade se sobressaia o Direito Privado (direito romano).
A partir do surgimento do Estado, impõe se a necessidade de se estabelecer regras a serem exercidas de modo institucionalizado e sistematizado, bem como de forma cogente. Daí também surgirem três esferas necessárias: legislativa, administrativa e judicial.
Podem se considerar como ramificações (ramos) do Direito Público, o Direito Constitucional, Administrativo, Tributário e Financeiro, a título de exemplo.
Importante registrar, ademais, que essa distinção não é estrita. Com o crescimento do Estado na esfera privada, impõe se o surgimento de normas em que prevalecem o caráter soberano dos atos públicos em temas como trabalho, salários, previdência.
Igualmente podemos mencionar as seguintes avaliações:
Nessa linha, veremos, a seguir, uma segunda dicotomia, a distinção entre o direito subjetivo e objetivo.
Logo de início observe-se que consideramos direito objetivo o direito que não pertence a ninguém e é de conhecimento comum e cultural sua existência naquela determinada sociedade, é composto de normas, instituições (exemplo: Direito Civil, Direito Tributário).
Quanto ao direito subjetivo se trata do direito que o indivíduo (sujeito) possui, o tornando titular de direitos, deveres, faculdades e obrigações (exemplo: direito à propriedade, direito à moradia, dever de pagar impostos...).
Historicamente, os romanos não reconheciam o conceito de direito subjetivo. Existia a distinção entre jus civile e jus gentium, mas se tratavam de ordenamentos objetivos.
No período da Idade Média sabemos que foi marcada pela existência dos privilégios individuais, no aspecto mais voltado ao que seria o direito privado.
Já na Era Moderna surgiu uma nova concepção de liberdade, no sentido de uma qualificação do agir político (não apenas algo interno ou apenas relacionado ao status).
Com o cristianismo surge uma ideia relacionada ao livre-arbítrio interferindo no Direito ao alcançar ideias de liberdade positiva e de liberdade negativa (aquela se relacionando à autonomia, capacidade de auto-governo, ao contrato social - “liberdade de” e esta última, a liberdade negativa, se relaciona aos limites da liberdade na liberdade do outro, o não-impedimento – “liberdade para”).
Esse ponto é importante, uma vez que o conceito moderno de liberdade foi decisivo para o estabelecimento da dicotomia entre direito objetivo e subjetivo.
Não se trata de uma distinção lógica rigorosa, possuindo vantagens práticas para melhor compreender e aplicar as normas.
O autor Tércio Sampaio Ferraz Junior, referido anteriormente, explicita algumas funções operacionais para o conceito de direito subjetivo, quais sejam:
Distinção encontrada na era Antiga para os direitos subjetivos.
Os primeiros, também conhecidos como direitos reais (res = coisa), se tratam do direito de uso e gozo imediato de uma coisa, garantindo ao titular a faculdade de obter a entrega ou a restituição do objeto em face de quem tenha se apoderado dele. Exemplo clássico é o direito relacionado à propriedade.
Os direitos in personam, os direitos pessoais, se referem à faculdade atribuída a um titular em relação a uma pessoa para que esta realize um ato ou deixe de fazê-lo (omissão), cujo exemplo clássico é o da prestação de serviços especializados.
Com base nos estudos do autor Tercio Sampaio Ferraz Junior, o conceito de pessoa foi a resposta do cristianismo à superação da diferença anterior entre cidadãos e escravos. Todos deveríamos ter dignidade intrínseca, que nos diferenciava de objetos.
Assim foi também que no fim da Idade Média, para salvaguardar direitos, passou a existir a ficção jurídica de uma pessoa formada de modo coletivo, a fim de criar responsabilidade às corporações e, mais tarde, ao próprio Estado.
Segundo o mesmo autor, pessoa é um feixe de papéis institucionalizados com diferentes máscaras jurídicas que um indivíduo pode exercer na sociedade, tais como: vendedor, contribuinte, advogado, professor, juiz, sócio, empregado, empregador etc.
Nesse contexto, algumas pessoas são criadas em um sistema próprio e isolado de responsabilidades, com normas e regramentos próprios (estatutos, leis orgânicas etc). A reunião desses papéis criados artificialmente formam uma pessoa jurídica, que pode ser pública ou privada, a depender do tipo de normas que compõem seu respectivo estatuto.
Essa concepção pode-se dizer que se trata de uma ideia em modo amplo, se tratando de uma noção geral (genérica) do que especificamente encontramos em “pessoa física” e “pessoa jurídica”.
Pode-se dizer, ainda, que é considerado um ponto de convergência de normas, uma vez que pode se referir tanto a uma pessoa física quanto a uma pessoa jurídica ou, ainda, a um patrimônio, a depender do contexto jurídico e legal que estiver inserido.
Além das dicotomias apontadas nesta e na aula anterior, importante também mencionar as distinções relacionadas à capacidade e competência.
Nesse contexto, sabemos que todos os seres humanos possuem capacidade jurídica, no sentido de poderem ser sujeitos de direitos e deveres.
Entretanto, nem todos possuem capacidade de ação, ou seja, capacidade de assumir deveres regulados pelo ordenamento jurídico (exemplo: votar, celebrar negócios).
Pessoas jurídicas de direito público têm capacidade especial, com poderes que são distribuídos em seus estatutos na forma de competências, como um meio de organizar os papéis nos órgãos burocráticos. Assim, quem age fora dos limites de sua competência, atua de modo nulo e/ou de modo ilícito.
Outra distinção importante e necessária a ser feita em nosso curso é aquela entre dever e responsabilidade. O Direito é estruturado em larga medida pelo conceito de obrigação. Toda obrigação envolve um vínculo, como expressão de um dever.
Dessa forma, existem obrigações de natureza legal, contratual e consuetudinária (baseada no costume).
É certo dizer, assim, que o dever se refere à conduta do sujeito que, em razão de seu comportamento realiza uma obrigação. Esta obrigação se trata de um vínculo objetivo entre duas ou mais partes, em que ocorre a exigência da execução da prestação acordada ou imposta, sob pena de sanção.
No que se refere à responsabilidade, esta tem relação direta com o objeto da sanção. A responsabilidade poderá ser subjetiva ou objetiva: