Poder Constituinte

Noções Gerais



Conceito e Titularidade

O poder constituinte é a capacidade política em criar, alterar ou eliminar a vigência e o conteúdo de uma Constituição. Segundo a doutrina moderna, a titularidade e a legitimidade desse poder é de competência do povo. O poder constituinte pode ser categorizado em originário, derivado, difuso e supranacional.

Poder Constituinte Originário

Também conhecido como inicial, inaugural, genuíno ou de 1.º grau, é o poder que rompe com a ordem jurídica anterior e inicia uma nova (por isso inicial), originando um novo Estado. O poder constituinte originário é dotado de algumas características, é autônomo, pois o poder será exercido de forma soberana para a elaboração da nova Constituição; e também é ilimitado juridicamente por não precisar se submeter aos princípios propostos na Constituição anterior. É um poder de fato, político e permanente, pois a nova ordem jurídica estabelecida se inicia não anteriormente, mas com a materialização do poder (natureza pré-jurídica); e uma vez que o poder constituinte originário não é consumido na elaboração de uma nova Constituição, conservando-se no modo de expressão da liberdade humana. O poder constituinte originário pode ser expressado de duas maneiras: pela outorga ou pela assembleia nacional constituinte (convenção). Na outorga ocorre a pronúncia unilateral do governante ou revolucionário, já na assembleia nacional constituinte realiza-se a representação popular a partir do debate da populacional. Por sua vez, o poder constituinte originário pode ser especificado em histórico (fundacional) e revolucionário. O histórico é o poder que forma o Estado pela primeira vez, sendo o revolucionário o poder que rompe com a antiga ordem e instaura uma nova, formando posteriormente novos Estados. Outra classificação é o poder constituinte originário formal e material. O formal é a criação, a atribuição de constitucionalidade a um conjunto de normas; O material qualifica o que é constitucional, permitindo que o primeiro atribua a consolidação da constitucionalidade.    

Poder Constituinte Derivado

O poder constituinte derivado também pode ser chamado por poder constituinte instituído, constituído, secundário, de segundo grau e remanescente. Esse poder é criado e estabelecido pelo poder originário, por esse motivo tem a obrigação de atender as exigências impostas pelo originário para a produção das normas constitucionais, tornando-se limitado. Derivam do poder constituinte originário o reformador, o decorrente e o revisor, e pela derivação, todos são limitados e vinculados ao poder constituinte originário, caracterizados como poder jurídico.

  1. Reformador: tem a função de alterar a Constituição vigente, seguindo os protocolos estabelecidos pelo originário e, sem que para isso ocorra uma revolução. Esse tipo de poder possui natureza jurídica e é percebido pelas emendas constitucionais.
     
  2. Decorrente: tem a finalidade de construir ou alterar a Constituição dos Estados-Membros, uma vez que a esses foi estabelecido pelo poder originário a capacidade de auto-organização, autogoverno e auto-administração, desde que respeitem as determinações do poder constituinte originário. O Distrito Federal pode ser regido por lei orgânica, sendo que esta deve seguir os parâmetros criados pelo poder originário na Constituição Federal, conforme o art. 32, caput, da CF/88, a lei orgânica deverá ser votada em dois turnos com interstício mínimo de 10 dias e aprovada por 2/3 da Câmara Legislativa promulgadora. O Distrito Federal aproxima-se mais dos Estados-Membros do que propriamente dos Municípios, pois a relação do primeiro é direta com a Constituição Federal, enquanto os Municípios são relacionados a Constituição Estadual e a Constituição Federal. Os Municípios, por sua vez, podem elaborar leis orgânicas desde que esta esteja submetida a Constituição Estadual e a Constituição Federal, dessa forma, observa-se a ocorrência dois vínculos: com o estado e com a federação. Assim, as leis orgânicas dos Municípios não tem caráter de constitucionalidade e sim de legalidade. Esse mesmo modo se aplica a Território Federais, uma vez que este não apresenta autonomia federativa.
     
  3. Revisor: é incumbido de inspecionar a Constituição por processos simples, de acordo com o art. 3.º do ADCT, a revisão constitucional seria realizada após cinco anos, a partir da data da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral. A revisão deve ser feita por pelo menos após cinco anos, podendo ser executada a maior prazo e apenas uma única vez produzir efeitos, sendo permitido pelo mesmo artigo a elaboração de seis emendas constitucionais revisoras, sendo o poder esgotado após a realização do processo.

Poder Constituinte Difuso

O poder constituinte difuso é o poder capaz de atuar para a mutação constitucional. As alterações realizadas por esse poder são consequências das situações sociais, políticas e econômicas, sendo menos formal que o poder constituinte derivado revisor, atuando como poder de fato. Portanto é a alteração da interpretação do texto constitucional e não necessariamente do corpo do texto. Esse poder é usado para melhor adequar as normas constitucionais ao momento histórico e as alterações sofridas pelo meio social, uma vez que a nova interpretação não poderá ferir as determinações do texto original.

Poder Constituinte Supranacional

O supranacional é onde cada Estado-Membro cede um fragmento de sua soberania em troca da construção de uma Constituição Comunitária, autenticando a cidadania universal. Esse poder atua externamente produzindo efeitos internos aos Estados, a partir do conceito de transconstitucionalismo para esgotar os problemas entre Constituições de um mesmo território.   

Nova Constituição e Ordem Jurídica Anterior

Trata-se da relação do direito com o tempo, os direitos que foram conquistados, a retroatividade e irretroatividade das normas e do abuso dos governantes.

Recepção

Trata das leis que se tornaram infraconstitucionais a partir da manifestação da nova Constituição. Essas leis não são classificadas como inconstitucionais, porém são revogadas, uma vez que existe incompatibilidade com as definições da nova Constituição, e dessa forma, fala-se que essas leis sofrem carência de recepção, enquanto as leis convergentes com a Constituição recém construída são recepcionadas. É possível que apenas fragmentos da lei sejam recepcionados, sendo que a recepção e a revogação ocorrem no momento da promulgação da nova Constituição. 
Para que uma norma seja recepcionada, analisa-se primeiro sua compatibilidade com a Constituição vigente à época de sua edição (tanto em sua forma quanto em sua matéria), e então, sendo compatível com aquela, analisa-se a compatibilidade material com a nova Constituição. Portanto, é possível que uma norma incompatível formalmente com a nova Constituição seja recepcionada em razão de sua matéria.

Repristinação

A repristinação é o fenômeno jurídico pelo qual normas revogadas voltariam a viger em razão da revogação da norma que as havia revogado. Assim, por exemplo, normas revogadas pela Constituição anterior poderiam voltar a viger em razão da revogação daquela. No Brasil, para que esse fenômeno ocorra deve haver previsão expressa nesse sentido.

Desconstitucionalização

Discorre sobre as leis compatíveis com a nova Constituição, as quais são recepcionadas com a condição de lei infraconstitucional. Como regra a desconstitucionalização não ocorre no Brasil, mas pode ocorrer se o poder originário ao estabelecer a nova ordem jurídica expressar que assim seja.

Recepção Material de Normas Constitucionais

Nessa recepção, as normas da Constituição anterior que forem compatíveis com a nova Constituição seriam recepcionadas e aceitas por tempo determinado. A recepção material ocorre somente se a nova ordem jurídica assim decidir, caso contrário as normas da antiga Constituição serão revogadas devido a regra da compatibilidade horizontal de normas de mesma hierarquia, a qual determina que a norma mais recente revoga a anterior.

Exame de Ordem Unificado - XXII (FGV) - 2017
Questão 1.
Parlamentar brasileiro, em viagem oficial, visita o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, recebendo numerosas informações acerca do seu funcionamento e de sua área de atuação. Uma, todavia, chamou especialmente sua atenção: a referida Corte Constitucional reconhecia a possibilidade de alteração da Constituição material - ou seja, de suas normas - sem qualquer mudança no texto formal. Surpreendido com essa possibilidade, procura sua assessoria jurídica a fim de saber se o Supremo Tribunal Federal fazia uso de técnica semelhante no âmbito da ordem jurídica brasileira. A partir da hipótese apresentada, assinale a opção que apresenta a informação dada pela assessoria jurídica. 
A
Não. O Supremo Tribunal Federal somente pode reconhecer nova norma no sistema jurídico constitucional a partir de emenda à constituição produzida pelo poder constituinte derivado reformador.
B
Sim. O Supremo Tribunal Federal, reconhecendo o fenômeno da mutação constitucional, pode atribuir ao texto inalterado uma nova interpretação, que expressa, assim, uma nova norma.
C
Não. O surgimento de novas normas constitucionais somente pode ser admitido por intermédio das vias formais de alteração, todas expressamente previstas no próprio texto da Constituição.
D
Sim. O sistema jurídico-constitucional brasileiro, seguindo linhas interpretativas contemporâneas, admite, como regra, a interpretação da Constituição independentemente de limites semânticos concedidos pelo texto.
Exame de Ordem Unificado - XXVI (FGV) - 2018
Questão 2.
Uma nova Constituição é promulgada, sendo que um grupo de parlamentares mantém dúvidas acerca do destino a ser concedido a várias normas da Constituição antiga, cujas temáticas não foram tratadas pela nova Constituição. Como a nova Constituição ficou silente quanto a essa situação, o grupo de parlamentares, preocupado com possível lacuna normativa, resolve procurar competentes advogados a fim de sanar a referida dúvida. Os advogados informaram que, segundo o sistema jurídico-constitucional brasileiro,
A
as normas da Constituição pretérita que guardarem congruência material com a nova Constituição serão convertidas em normas ordinárias.
B
as matérias tratadas pela Constituição pretérita e não reguladas pela nova Constituição serão por esta recepcionadas.
C
as matérias tratadas pela Constituição pretérita e não reguladas pela nova Constituição receberão, na nova ordem, status supralegal, mas infraconstitucional.
D
a revogação tácita da ordem constitucional pretérita pela nova Constituição se dará de forma completa e integral, ocasionando a perda de sua validade.
Exame de Ordem - Cespe 2007 (CESPE) - 2007
Questão 3.
O poder constituinte reformador manifestado por meio de emendas
A
pode ser iniciado por meio das mesas das assembléias legislativas.
B
exige, no âmbito federal, que a proposta seja discutida e votada em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
C
permite que a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada seja objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa, desde que por iniciativa da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional.
D
tem por características ser inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado.
Advogado (IDECAN) - 2014
Questão 4.
O Poder Constituinte Decorrente está sujeito a diversas limitações, dentre elas, os princípios constitucionais sensíveis, também denominados apontados ou enumerados. Marque a alternativa que NÃO contém um princípio constitucional sensível previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:
A
Autonomia municipal.
B
Repelir invasão estrangeira.
C
Direitos da pessoa humana.
D
Prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
E
Forma republicana, sistema representativo e regime democrático.
Questão 5.
O poder constituinte decorrente caracteriza-se por ser:
A
Secundário e ilimitado.
B
Incondicionado e limitado.
C
Poder de direito e incondicionado.
D
Primário e ilimitado.
E
Secundário e condicionado
Questão 6.
O poder constituinte originário, segundo a doutrina tradicional, é caracterizado como sendo permanente. Sobre essa característica, assinale a alternativa correta:
A
O poder constituinte originário é permanente pois é exercido de forma reiterada toda as vezes em que se faz necessária a alteração no texto constitucional.
B
Tendo em vista que o titular do poder constituinte originário é o povo, o seu exercício constante é salutar, pois demonstra o engajamento de todos os cidadãos com as questões que são relevantes à sociedade. Isso só é possível porque o poder constituinte originário é permanente.
C
Em que pese o poder constituinte originário ser permanente, não é conveniente que ele se manifeste com frequência, pois isso impediria o florescimento de uma cultura constitucional.
D
O poder constituinte originário é permanente pois pode se manifestar a qualquer momento. Porém não é recomendado que ele se manifeste com frequência pois colocaria em xeque a própria soberania popular.
Analista Judiciário - Área Judiciária (FCC) - 2008
Questão 7.
O Poder Constituinte originário caracteriza-se por ser:
A
inicial, ilimitado e reformador.
B
inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado.
C
autônomo e condicionado.
D
reformador e decorrente.
E
condicionado e decorrente.
Questão 8.
O poder constituinte pode se manifestar de diversas formas a depender da experiência histórica ocorrida em cada nação. A doutrina explica cada uma das expressões. A partir disso, assinale a alternativa correta.
A
O poder constituinte originário pode se manifestar com o surgimento de um novo Estado, que pode ocorrer de diversas formas. São exemplos: a divisão de um Estado já existente, a união de dois países e a emancipação de colônias outrora dominadas por outra nação.
B
O poder constituinte originário pode ser revolucionário ou histórico. Na primeira hipótese ele se observará quando ocorrer no país um movimento violento de ruptura da ordem posta. Já na segunda, verifica-se um processo pacífico de transição entre as constituições antiga e a vindoura, como fruto do consenso social sobre a necessidade de substituição da carta política.
C
A expressão bootstrapping é utilizada por Canotilho para designar o momento de formação da Assembleia Constituinte.
D
O fenômeno do “hiato constitucional” representa uma divergência entre o que expressa a carta política e o que se verifica na realidade fática da sociedade. Segundo essa teoria, a forma de solucionar a lacuna é a convocação da Assembleia Constituinte para elaborar o texto que reflita os anseios sociais.
Questão 9.
Sobre Poder Constituinte Derivado assinale a alternativa correta:
A
A Constituição Federal, por ser a carta política que rege a nação, possui apenas um processo dificultoso e formal de alteração de seu texto, por meio de emendas constitucionais, como forma de trazer segurança e estabilidade a democracia e às instituições.
B
Os Estados-membros possuem constituições próprias para estabelecer o regramento base do ente federativo, como manifestação do poder constituinte decorrente.
C
O poder constituinte difuso é conceituado doutrinariamente como um meio informal de alteração da constituição, não sendo admitido no ordenamento jurídico brasileiro.
D
O poder constituinte supranacional é uma realidade e pode ser vislumbrado a partir dos Tribunais internacionais que submetem diversos Estados Nação à sua jurisdição.
E
O poder constituinte revisor se manifesta sempre que o Congresso Nacional por votação em quórum qualificado compreende pela necessidade de revisão do texto constitucional.
Exame de Ordem Unificado - XXXV (FGV) - 2022
Questão 10.

No Preâmbulo da Constituição do Estado Alfa consta:

“Nós, Deputados Estaduais Constituintes, no pleno exercício dos poderes outorgados pelo artigo 11 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, reunidos em Assembleia, no pleno exercício do mandato, de acordo com a vontade política dos cidadãos deste Estado, dentro dos limites autorizados pelos princípios constitucionais que disciplinam a Federação Brasileira, promulgamos, sob a proteção de Deus, a presente Constituição do Estado Alfa.”

Diante de tal fragmento e de acordo com a teoria do poder constituinte, o ato em tela deve ser corretamente enquadrado como forma de expressão legítima do poder constituinte;

A
originário.
B
derivado difuso.
C
derivado decorrente.
D
derivado reformador.
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