Desconsideração da Personalidade Jurídica
Outro instituto que sofreu bastante alteração com a Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica) foi o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Sabe-se que a desconsideração da personalidade jurídica não se aplica somente às sociedades limitadas, mas ela é um dos casos em que se afasta essa limitação da responsabilidade dos sócios para atingir seu patrimônio pessoal.
Como dito, este instituto sofreu bastante alteração com a Lei nº 13.874/19 (Lei de Liberdade Econômica) que é resultado da conversão da Medida Provisória nº 881/2019 em lei. Houve o acréscimo do art. 49-A e a completa modificação do art. 50, ambos do Código Civil.
O princípio da entidade é a regra aplicada, ou seja, os patrimônios de quem compõe a pessoa jurídica e o patrimônio desta são diferentes. A desconsideração da personalidade jurídica deve ser vista como uma exceção, pois ela mitiga o princípio, resultando no impacto dos dois patrimônios. Por isso, é preciso seguir alguns requisitos trazidos na lei.
Autonomia Patrimonial
O art. 49-A do Código Civil utiliza o termo “pessoa jurídica” justamente para indicar que não se aplica somente às sociedades. A pessoa jurídica não deve se confundir com aqueles que a constituem e o parágrafo único do dispositivo referido fala da autonomia patrimonial. Esse é um instrumento lícito de segregação e alocação de riscos.
Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.
Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.
Deste modo, o código legalizou a prática de constituir uma pessoa jurídica com o fim de proteger o patrimônio pessoal. Afinal, é comum decisões judiciais, as quais os julgadores entendem que a criação de uma PJ configura fraude. Além disso, com esta medida, também buscou-se fomentar a ordem econômica ao servir de estímulo para novos empreendimentos que gerariam empregos, aumentaria o recolhimento de tributos, renda e inovação.
Abuso da Personalidade Jurídica
O abuso da personalidade jurídica é caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, está previsto no art. 50 do Código Civil e tem como consequência a desconsideração da personalidade jurídica. Contudo, importante deixar claro que esta desconsideração se aplica a toda e qualquer obrigação.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
Um dos pontos acrescidos com a alteração do artigo 50 foi a limitação da desconsideração da personalidade jurídica para os beneficiados direta e/ou indiretamente pelo abuso. Antes, o efeito do instituto atingia todos os sócios, independente deles terem sido beneficiados.
O §1º do art. 50 do CC define o que seria o desvio de finalidade, enquanto que o §2º do art. 50 do CC define o que seria a confusão patrimonial.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
Desvio de finalidade
O desvio de finalidade é entendido como a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. Na redação da Medida Provisória nº 881/2019, estava o termo “utilização dolosa”, mas foi retirado na conversão em lei. Logo, a interpretação que se faz é que mesmo a utilização culposa também poderia caracterizar o desvio de finalidade.
Confusão patrimonial
Previsto no §2º do artigo 50 do CC, é um dispositivo autoexplicativo. A confusão patrimonial ocorre quando o sócio paga suas contas com as contas da sociedade, ou quando ocorre transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto se os valores forem insignificantes.
Contudo, a lei traz uma cláusula aberta ao falar em “outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial” (Art. 50, §2º, III, CC).
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
Desconsideração reversa
Outro ponto acrescido pela lei é um ponto que vinha sendo discutido na doutrina e pelos tribunais que é a desconsideração reversa, em que a sociedade é responsabilizada pelos atos do sócio. Está positivada no §3º do art. 50 do Código Civil.
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.
Grupos econômicos
A Lei nº 13.874/2019 trouxe uma situação interessante para os grupos econômicos, os quais vinham sendo atingidos pela desconsideração da personalidade jurídica via decisões judiciais. Antes, uma dívida contraída por uma das empresas do grupo acabava atingindo os outros membros. Com o §4º do art. 50 do Código Civil, estabeleceu a regra de que o grupo econômico não significa obrigações comuns, as quais só serão assim consideradas quando houver confusão patrimonial ou desvio de finalidade.
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
Alteração da atividade econômica original
Quando a empresa tinha uma atividade econômica e ela posteriormente era alterada, entendia-se que configurava o desvio de finalidade. Contudo, o §5º do art. 50 do Código Civil alterou esse entendimento. Atualmente, tanto a mudança como a expansão da atividade não configuram, por si só, este desvio.
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.