Evolução Histórica - Período Científico
Escola Clássica
A Escola Clássica surgiu no final do século XVIII e trouxe um conjunto de ideias, teorias sociológicas, filosóficas e jurídicas sobre as principais questões penais. Seus principais autores são: Cesare Beccaria, Francesco Carrara e Giovanni Carmignani.
Inicialmente, vale dizer que essa escola (notadamente Beccaria) usou muito da Teoria do Contratualismo de Rousseau para descrever a legitimidade do Estado em seu direito de sancionar.
Falamos aqui do Contrato Social: o Estado surge a partir de um grande pacto entre os homens, no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em troca de proteção do ente Estatal; um acordo pela segurança coletiva. Daí é que se legitima o Estado a usar a força para coibir desvios.
Mesmo reconhecendo o Estado como ser legitimado a punir, grande característica do classicismo criminológico foi a busca pela humanização dos aparelhos repressores Estatais, os quais agiam com crueldade e de forma desmedida, muito ainda guiados pela igreja católica.
Defendia-se a proporcionalidade das penas à gravidade dos delitos. Beccaria foi, inclusive, um dos primeiros pensadores defensores da abolição da pena de morte e da tortura. Na época, ele sugeriria a pena de trabalhos forçados como alternativa socializante e dignificante do homem.
Pregava-se também a separação do conceito de delito daquele de pecado; do conceito de pena do de mera punição. Buscou-se limitar a classificação de crime ao ato que fere algum bem jurídico, ato que de fato traz prejuízo à sociedade, e não mais defini-lo com base em valores morais ou religiosos da época.
Pode-se dizer que a Escola Clássica, nesse sentido, foi defensora da laicização do Direito Penal: este deveria agir puramente a bem da vida civil, e não da defesa de ideais religiosos moralizantes.
Essa escola, inspirada pela doutrina do Direito Natural ou Jusnaturalismo (para a qual havia uma natureza eterna e imutável do ser humano), compreendia o criminoso como possuidor de responsabilidade penal orientada pelo livre arbítrio.
Portanto, o crime era simplesmente um produto da manifestação da vontade do agente, que, tendo feito a escolha de delinquir, passaria a arcar com a responsabilidade advinda disto.
Para os classicistas, enfim, haveria condutas corretas e condutas desviantes, e os indivíduos teriam a escolha de seguir umas ou outras. Assim, essa escola não buscava investigar o motivo que levara o agente a descumprir a norma. O descumprimento seria meramente uma escolha racional.
Daí se deriva que, a respeito das penas, estas deveriam ter a finalidade prática de dissuadir o indivíduo da prática delitiva que desejaria cometer. A finalidade da pena deixa de ser meramente retributiva e passa a ser preventiva.
A isto se relaciona a tendência utilitarista do classicismo criminológico: o Utilitarismo prega que o medo do indivíduo das consequências de seu ato é capaz de dissuadi-lo de cometê-lo. Como bem colocou Alfonso Serrano Maíllo:
Quando alguém encara a possibilidade de cometer um delito, efetua um cálculo racional dos benefícios esperados e os confronta com os prejuízos que acredita vão derivar da prática do delito; se os benefícios são superiores aos prejuízos, tenderá a cometer a conduta delitiva.
Dessa forma, a pena (“mal justo” e necessário que se contrapunha ao “mal injusto" causado pelo crime) deveria ser voltada a convencer o indivíduo de que, diante dos prós e contras, não valeria a pena cometer o ato desviante.
Para obter esse efeito de “intimidação” da sociedade diante do cometimento de delinquências, ainda, acreditava-se que a aplicação penal deveria ser dotada mais de certeza e prontidão que de severidade: a certeza da punição e clareza a respeito dela seriam mais eficazes na dissuasão do criminoso do que a crueldade na aplicação da pena. A brutalização do aparelho repressor não seria de bom auxílio à mitigação do crime.
A Escola Clássica, no mais, já falava do papel de reinserção do delinquente na sociedade. Constata-se que havia a defesa da função preventiva tanto geral quanto especial da pena (voltada tanto à dissuasão da sociedade da prática criminosa quanto à ressocialização do indivíduo desviante).
Século XIX
A figura do criminoso não tinha tanta importância durante o século XVIII, pois tratava-se simplesmente de um homem-médio que escolhera delinquir.
No século XIX, porém, começa-se a dar mais atenção à figura do criminoso, visto como um ser diferenciado do restante da sociedade.
Inicia-se uma forte tendência cientificista caracterizada pelo empirismo e pelo método experimental ou indutivo de estudo, diferentemente da Escola Clássica vista anteriormente, a qual recorria a métodos dedutivos e de lógica formal.
Essa divisão existente entre os clássicos, com o caráter pré-científico, e os positivistas, com o apoio da cientificidade, ensejou aquilo que se entendeu mais tarde por “luta de escolas”.
A frenologia, mencionada anteriormente, foi ciência de muitos adeptos estudiosos nesse contexto. Quanto à figura do criminoso, falava-se na predeterminação biológica à tendência delituosa. Não se acreditava que o cometimento de crimes era produto de livre escolha do indivíduo; simplesmente há certas pessoas predispostas a isso naturalmente.
A loucura moral era o principal pressuposto causador da delinquência defendido nesse período: o criminoso possuiria princípios morais eficientes (como pregava a teoria da monomania de Esquirol), mas apresentaria certas alterações nas faculdades afetivas e emocionais.
Os assim dito loucos e os portadores de alienação mental eram, então, sistematicamente caçados e encarcerados, já que portadores de uma “maldade natural”.
Philippe Pinel, psiquiatra grande expoente e autor desse contexto, foi o primeiro influente a modificar a forma como eram tratados os loucos. Eles eram tidos até então como possuídos pelo demônio, mas Pinel acaba inovando essa crença por meio da criminologia clínica, para a qual o comportamento desviante seria fruto de uma simples doença.
O psiquiatra recomendava que os delinquentes fossem tratados humanamente e não sofressem violências, pois estas só contribuiriam para o agravamento de sua enfermidade.
Jean-Étienne Esquirol, também psiquiatra e discípulo de Pinel, é quem formula o conceito de monomania, pela qual o louco apresentaria suas faculdades, discernimento e funções sociais em perfeito estado, tendo, porém, manifestações específicas de loucura, sendo estas a causa de suas delinquências.
Escola Positiva Italiana
A Escola positiva nasce no final do século XIX, totalmente banhada pelo cientificismo e pelo método científico empírico e experimental de estudo. Na verdade, houve aplicação quase exática da metodologia cientifica natural, pois buscou-se a obtenção de dados por meio da pesquisa de estatísticas, da análise clínica da sociedade. Recorreu-se muito à ciência quantitativa.
Nota-se uma grande divisão metodológica entre os clássicos, de caráter pré-científico, e os positivistas, apoiados da cientificidade; isto ensejou aquilo que se entendeu mais tarde por “luta de escolas”.
No positivismo, põe-se em xeque o Direito Penal Clássico sugerindo-se que, na verdade, existe influência da sociedade no fenômeno criminal: não se causa este por uma simples escolha advinda de livre-arbítrio individual.
Compreendia-se que os indivíduos eram fortemente condicionados na sua forma de agir por razões tanto internas quanto externas a si. Pela primeira vez, trazia-se o estudo das Ciências Sociais à criminologia.
Os principais expoentes do Escola Positivista são: Cesare Lombroso, Rafael Garófalo e Enrico Ferri.
Cesare Lombroso é considerado o pai da Escola Positiva Italiana. Ao longo de sua trajetória, ele traz reflexões sobre a influência do meio social na gênese do crime, mas, na verdade, é mais entusiasta da perspectiva da causa individual da criminogênese. Discorre sobre a criminalidade atávica; aquela causada por indivíduos que simplesmente se encontram em um estado inferior de evolução (os homens primitivos).
Vinculado à concepção determinista, ele aproxima-se do positivismo francês, do materialismo alemão e do evolucionismo inglês (teorias darwinianas).
Em sua obra O Homem Delinquente, Lombroso defende a teoria genética do delito, a qual definia os criminosos pelas suas características físicas. O pensador ficou conhecido pelo termo "criminoso nato" e por ter criado a Antropologia Criminal, vertente do positivismo.
Segundo suas conclusões, os criminosos natos nunca eram muito altos, tinham a cabeça de tamanho avantajado mas cérebro pequeno, orelhas protuberantes, sobrancelhas espessas, queixo achatado... Estes indivíduos apresentariam crueldade, leviandade, aversão ao trabalho, instabilidade, vaidade, tendências a superstições e precocidade sexual, ainda.
A estes criminosos, os natos, Lombroso colocava a exceção dos delinquentes ocasionais (chamados falso delinquentes), dos loucos, que deveriam ser mantidos em hospícios, e dos passionais, os quais agiram sob influência de forte emoção.
Ele defendia que as penas deveriam basear-se justamente no tipo de criminoso, e não no crime. Distanciava-se também aqui da Escola Clássica, a qual pregava a aplicação penal proporcional à gravidade do crime.
Em sua obra "O Crime: Causas e Remédios", Lombroso retoma um pouco das causas externas na criminogênese (possivelmente sob influência das fortes críticas que vinha recebendo) e postula que o fenômeno criminal deveria ser compreendido através de fatores múltiplos: influências climáticas, culturais, geográficas e de civilização.
Segundo ele, a tendência a delinquir também varia de acordo com o tipos social e étnico dos indivíduos.
Para muitos estudiosos atuais, foi Rafael Garófalo quem criou o termo Criminologia. Outro pensador que se aliou mais às causas individuais, dando menos ênfase às causas sociais da criminogênese, ficando ao lado de Lombroso em muitos aspectos.
Em sua obra Criminologia, o autor considera o crime como uma anomalia moral e psíquica do indivíduo, na sua teoria psicológica do delito. Ele também acreditava que traços físicos poderiam denunciar essas mazelas psicológicas, além de reforçar o crime como uma violação do senso moral da sociedade. Era a favor da pena de morte aos criminosos natos e tinha notável ceticismo quanto à possibilidade de readaptação do homem criminoso.
Garófalo classificava os tipos de delinquentes em três tipos: criminosos natos, atávicos, instintivos, apresentam estigmas físicos e psicológicos reconhecíveis, egoístas, selvagens e subdesenvolvidos; criminosos enérgicos, que têm plena noção de senso ético não apresentam compaixão ou são excessivamente impulsivos, e criminosos ocasionais ou neurastênicos, que também têm pleno senso de moralidade e ética mas aos quais falta probidade.
Para o estudioso, o Direito deveria concentrar-se mais no grau de periculosidade do delinquente que em seu grau de malvadeza ou na origem de seu comportamento desviante, pois, para ele, importa mais neutralizar o criminoso em prol da defesa social, que reabilitá-lo, curá-lo ou tentar reinseri-lo na sociedade. Garófalo defende a prevenção especial como finalidade da pena (característica comum da corrente positivista).
Podemos dizer que tanto Garófalo quanto Lombroso são exemplos da corrente bioantropológica positiva da criminologia. Para ambos importava menos estudar o crime e mais o criminoso.
Esta corrente coexistiu e se contrapôs à corrente sociológica positiva, reforçada, por sua vez, por Ferri.
Enrico Ferri, por fim, em sua obra Sociologia Criminal, coloca que o crime é um conjunto de fatores antropológicos (herança e constituição orgânica da pessoa), físicos (discorre principalmente sobre o clima do local onde o crime se cometeu) e sociais (densidade populacional, atuação das instituições e outras condições ambientais).
É dele a formulação da Lei de Saturação Criminal, segundo a qual “da mesma maneira que, em um certo líquido a tal temperatura, ocorrerá a diluição de uma certa quantidade de substância, em determinadas condições sociais, serão produzidos determinados delitos”.
Ferri ataca a doutrina clássica baseada no livre arbítrio e ressalta, dentre outros, o papel do ambiente familiar e social na gênese do delito. Trata-se do determinismo social, para o qual o delito é um fenômeno social determinado por causas naturais.
Em crítica à metodologia da Escola Clássica, a qual não se preocupava em investigar mais cuidadosamente a gênese do comportamento desviante e nem a figura do criminoso (já que o cometimento de crime trata-se de uma simples escolha), disse Ferri:
[...] não se preocupando em conhecer cientificamente a realidade humana e as causas da delinquência, não era possível que delas indicassem os remédios adequados. (FERRI, Enrico; página 61; 1998).
O sociólogo tinha grande preocupação em trazer soluções sociais ao problema da criminalidade. Tal como Garófalo, era defensor da finalidade da pena como prevenção especial. Também pregava que o Direito Penal deveria visar principalmente à neutralização do delinquente, medida direta de Defesa Social, e não ao seu restabelecimento no seio comunitário, ainda que acreditasse na possibilidade de restauração dos indivíduos criminosos (diferentemente de Lombroso e Garófalo).
Colocando um arremate à Escola Positivista, notamos que os seus três principais expoentes, dentre si, tinham ideias bem diversas em certos pontos e convergiam em outros. Podemos traçar, sinteticamente, um quadro geral do Positivismo como modelo marcado pelo método científico empírico experimental, com busca por afastar-se de ideologias ético-religiosas retributivas e proceder a uma análise criminológica mais fria, técnica, fática, isenta de julgamentos.
Através da relevância dada à Defesa Social, ainda que tenha nascido nessa escola a preocupação com a ressocialização do criminoso e a finalidade reeducativa da pena; através do determinismo criminal (visão do crime como fruto de fatores endógenos e exógenos ao agente), e também da concentração no estudo da fisiologia, morfologia e psicologia dos criminosos, bem como das variáveis e causas da criminalidade, o Positivismo tentava atingir seus objetivos, valendo-se, para isto, de estatísticas.
Antes de continuarmos com as outras escolas criminológicas, vejamos esta passagem de Nestor Sampaio:
As Escolas Clássica e Positiva foram as únicas correntes do pensamento criminal que, em sua época, assumiram posições extremadas e bem diferentes filosoficamente. Depois delas apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos. Dentre essas teorias ecléticas ou intermediárias, reuniram-se penalistas orientados por novas ideias, mas sem romper definitivamente com as orientações clássicas ou positivistas.
Tendo isso em mente, continuemos para a primeira das escolas intermediárias.
Escola Crítica/Eclética
Tendo Carnevale, Alimena e Impallomeni como principais autores, tal escola reforça o crime como um fenômeno tanto social quanto individual, concentrando mais estudos no aspecto social, entretanto.
Essa escola afasta a ideia do criminoso antropológico, pregando que o criminoso é um produto de condições sociais desfavorecidas, desiguais, injustas. Dizia-se que “a sociedade tem os criminosos que merece”.
Apesar de “vítima de uma sociedade doente”, o criminoso não fica isento de responsabilização por seus próprios atos. Na Escola Eclética, pregava-se que aquele que delinque deveria ser responsável por seus atos porque, gozando de boa sanidade e desenvolvimento, tem plena aptidão para determinar-se de acordo com a moral, ética e os bons costumes. Ressaltava-se, porém, a necessidade de diferenciar o tratamento e as penas aplicáveis para imputáveis e para inimputáveis.
Escola Francesa de Lyon
Tal escola surge a partir das críticas ao positivismo e às ideias de Lombroso, e foi amplamente influenciada pelos estudos de Pasteur. Não abraçando nem a criminologia bioantropológica nem a criminologia social, desenvolveu-se sobre teorias antropossociais, pelas quais o meio social influi sobre o criminoso antropologicamente nato, predispondo-o para o delito, ou seja, certos indivíduos possuem uma predisposição criminal latente que é disparada pelo meio social.
Essa influência se mostra principalmente na tese do micróbio: o criminoso é comparado ao micróbio, devido a sua irrelevância que subsiste até o momento em que encontra um campo fértil para agir. Portanto, a sociedade gera o criminoso, o qual já estava predisposto a isto, e o crime é a doença da sociedade.