Da Receptação
Introdução
A receptação está prevista no artigo 180 do CP. Vejamos:
Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Esse crime tutela o patrimônio alheio e a administração da justiça, já que a receptação dificulta a atuação da justiça, já que a apreensão dos bens oriundos de ações criminosas se torna mais dificultoso.
O sujeito pode ser qualquer pessoa, salvo o próprio coautor ou partícipe do crime anterior, uma vez que se esses sujeitos realizarem o tipo do caput as suas ações serão absorvidas pelo delito que originou a subtração da coisa alheia. O sujeito passivo (vítima) será o mesmo indivíduo lesado pelo delito antecedente.
A conduta pode ser realizada de duas formas:
- Receptação própria: Ocorre quando o agente, sabendo ser a coisa produto do crime, adquire, recebe, transporta, conduz ou oculta a coisa. Para configurar essa modalidade, basta que o agente saiba que o bem é produto do crime, não importando se havia ou não ajuste prévio entre eles.
- Receptação imprópria: Nessa modalidade, o agente influi para que terceiro de boa-fé adquira, receba ou oculte essa coisa produto do crime. Aqui, esse terceiro precisa necessariamente estar de boa-fé, caso contrário a situação será enquadrada como receptação própria.
Como podemos perceber, é imprescindível que haja necessariamente a existência de um delito precedente. Por isso a receptação é muitas vezes referida como delito parasitário, ou consequencial.
Importante ressaltar que apesar da indispensabilidade de haver delito anterior, a isenção de pena do autor desse crime anterior não exclui a punibilidade de eventual receptação que venha a ocorrer posteriormente, já que se trata de crime autônomo.
Sobre a aplicação do princípio da insignificância nesses crime, há divergência nos tribunais. O STF entende que esse princípio é incompatível com esse tipo penal, já que ele incentiva a prática de outros delitos patrimoniais. O STJ contudo admite a aplicação, desde que atendidos os requisitos do princípio.
Quanto a voluntariedade, a modalidade do caput se dá mediante dolo, com a finalidade de obtenção de proveito próprio ou alheio. Quanto ao momento em que se dá a consumação, na receptação própria se consuma no momento em que a coisa ingressa na esfera de disponibilidade do agente (crime material). Na receptação imprópria, se dá a partir da mera influência sobre o terceiro (crime formal).
Receptação qualificada
A modalidade qualificada de receptação está contida no §1º. Vejamos:
§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.
O tipo qualificado traz alguns verbos em comum com o caput, e alguns novos verbos (os grifados acima), punindo de forma mais gravosa a receptação que ocorre no exercício de atividade comercial ou industrial.
Aqui, temos uma hipótese de crime próprio, uma vez que só poderá ser praticado por aquele que exerce uma atividade comercial ou industrial. O Código Penal equipara essas atividades comerciais e industriais a qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residências.
Como a pena é maior, não há possibilidade de aplicação de suspensão do processo. Além disso, o STF entende que não é possível haver aplicação do princípio da insignificância.
Majorante
O §6º traz a majorante da receptação. Vejamos:
§ 6º - Tratando-se de bens do patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo.
Ou seja, se o objeto do crime for um bem público, a pena será aplicada em dobro.
Receptação culposa
A modalidade culposa está prevista no §3º. Vejamos:
§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.
Esse é o caso da pessoa que compra algo em condições suspeitas, muitas vezes por preço muito abaixo do valor de mercado. Há uma presunção de que a pessoa que adquire esse bem deveria desconfiar que aquele bem é oriundo de atividade ilícita.
É possível que haja, nessa modalidade, o perdão judicial, conforme previsto no § 5º, no caso de criminoso primário, a depender das circunstâncias.
Receptação de Animal
O crime em questão é uma modalidade específica de receptação prevista no artigo 180-A do CP. Vejamos:
Art. 180-A. Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito ou vender, com a finalidade de produção ou de comercialização, semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes, que deve saber ser produto de crime:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
É inadmissível a aplicação de benefícios despenalizadores da Lei 9.099, em razão do quantum de pena aplicado no crime.
Esse crime tutela, além da propriedade do produtor rural, também a saúde pública, uma vez que a receptação de animais muitas vezes ocorre para fins de comercialização da carne sem atendimento das normas de segurança alimentar.
O sujeito ativo é qualquer pessoa, exceto o proprietário do semovente, por óbvio, além do autor do crime antecedente (pois seria caso de absorção do crime pelo furto/roubo).
A conduta punível é a de adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito ou vender esse semovente domesticável de produção, com a finalidade específica de produção ou comercialização. Por isso, falamos que o crime será punido a título doloso, já que o agente deve ter a vontade consciente de realizá-lo, além dessa finalidade que discutimos. Importante ressaltar que esse agente deve saber que o semovente é produto do crime.
O crime em questão é material, consumando-se no momento em que a coisa é incluída na esfera de disponibilidade do agente.