Controle de Constitucionalidade da Lei Orçamentária
Controle de Constitucionalidade da Lei Orçamentária
O debate acerca do controle de constitucionalidade da lei orçamentária origina-se do conflito entre lei formal e lei material, no qual a lei formal não pode ser objeto deste controle por tratar-se apenas de um acordo em forma de lei e não possuir nenhuma norma jurídica.
A concepção de lei formal influenciou o Supremo Tribunal Federal brasileiro por muito tempo. Porém, atualmente, o entendimento de lei orçamentária não é mais o mesmo, e o STF atua no controle de constitucionalidade. Para ilustrar a mudança de concepção, exemplificam-se alguns casos:
ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 1.640 – tredestinação de recursos da CPMF, 1998:
A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) foi uma cobrança que incidiu sobre todas as movimentações bancárias — exceto nas negociações de ações na Bolsa, saques de aposentadorias, seguro-desemprego, salários e transferências entre contas correntes de mesma titularidade — e vigorou no Brasil por 11 anos.
Apesar de ter sido criada para financiar a saúde, como previa o artigo 74 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), não havia esta obrigação em lei. Assim, a Lei Orçamentária de 1997 determinou que parte da arrecadação estava prevista para outros fins, como o pagamento de dívidas.
A constitucionalidade da Lei Orçamentária foi então questionada no STF, que decidiu da seguinte maneira:
“1. Não há, na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, a impugnação de um ato normativo. Não se pretende a suspensão cautelar nem a declaração final de inconstitucionalidade de uma norma, e sim de uma destinação de recursos, prevista em lei formal, mas de natureza e efeitos político-administrativos concretos, hipótese em que, na conformidade dos precedentes da Corte, descabe o controle concentrado de constitucionalidade como previsto no art. 102, I, a, da Constituição Federal, pois ali se exige que se trate de ato normativo. Precedentes. ”
Portanto, neste caso, o STF entendia a Lei Orçamentária como lei formal, um ato político-administrativo e não normativo.
ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 2.925 – tredestinação de recursos da CIDE, 2003:
A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide-combustíveis) foi instituída pela Lei 10.336/2001 com a finalidade de assegurar um montante mínimo de recursos para investimento em infraestrutura de transporte, em projetos ambientais relacionados à indústria de petróleo e gás, e em subsídios ao transporte de álcool combustível, de gás natural e derivados, e de petróleo e derivados.
O artigo 177 da Constituição Federal, em seu parágrafo quarto, determina o destino dos recursos de leis como a CIDE:
§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos:
II - os recursos arrecadados serão destinados: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
c) ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
A Lei Orçamentária de 2003, no entanto, determinou que parte da arrecadação estava prevista para outros fins que nãos os estabelecidos pelo artigo 177. A partir disso, deu-se início a uma ADI ajuizada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT).
Diferentemente do caso anterior, foi admitido o controle concentrado de constitucionalidade:
“Mostra-se adequado o controle concentrado de constitucionalidade quando a lei orçamentária revela contornos abstratos e autônomos, em abandono ao campo da eficácia concreta. (...). É inconstitucional interpretação da Lei Orçamentária nº 10.640, de 14 de janeiro de 2003, que implique abertura de crédito suplementar em rubrica estranha à destinação do que arrecadado a partir do disposto no § 4º do artigo 177 da Constituição Federal, ante a natureza exaustiva das alíneas a, b e c do inciso II do citado parágrafo. ”
Até então, os dois casos apresentados não abandonam a dicotomia entre lei formal e lei material, tratam de sinalizações de entendimento sobre o controle de constitucionalidade.
ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 4.048 – abertura de crédito extraordinário sem urgência, 2008:
O crédito adicional extraordinário visa a atender despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, via medida provisória. São despesas não previstas na Lei Orçamentária devido à sua característica urgente. A ADI nº 4.048 discutiu uma medida provisória que abria crédito extraordinário para cobrir despesas correntes, ou seja, despesas que não atendiam aos requisitos de urgência e imprevisibilidade. Assim, o STF entendeu que houve desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários.
Acerca do controle de constitucionalidade, o STF ainda trouxe nesta ADI a seguinte afirmação:
“O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade. ”
Com isso, o STF não se posiciona diretamente sobre a natureza formal ou material da lei orçamentária, mas indica uma tendência clara a permitir o controle de constitucionalidade de normas orçamentárias pelo STF.
Entretanto, é importante lembrar que existem outras questões envolvidas no controle de constitucionalidade de normas orçamentárias. Uma delas é a separação dos poderes Executivo e Legislativo no que tange ao conteúdo da Lei Orçamentária, situação na qual o Supremo deve conservar o conteúdo político sem fazer-se omisso. Outra questão diz respeito ao tempo. Tanto a Lei Orçamentária Anual quanto a Lei de Diretrizes Orçamentárias possuem duração de um ano, sendo imposto, assim, um problema temporal no momento de exercer o controle de constitucionalidade.