Ciência do Direito: Dogmática e Tecnologia
Dogmática e tecnologia
Rememorando o que vimos em momento anterior, no Direito era pautado na dualidade do lícito e ilícito no século XIX, de modo que o Estado funcionava de forma repressiva e o jurista tinha funções de interpretar e aplicar o Direito.
Ato contínuo, no século seguinte, as transformações econômicas, sociais e políticas tornaram o Estado mais ativo na promoção de políticas públicas, regulações econômicas, atuação em desenvolvimento tecnológico e proteção ao meio ambiente.
Nesse período já não cabe ao jurista apenas interpretar e aplicar a lei, lhe cabendo também uma habilidade tecnológica, segundo Tércio Sampaio Ferraz Junior, conforme citado em aula. Nesse novo cenário, referido jurista destaca três tipos de proposições doutrinárias existentes:
1. Orientações: proposições que dão elementos para auxiliar na elaboração da decisão, como esquemas e sistematizações;
2. Recomendações: proposições persuasivas com fatos históricos, experiências comprovadas, regras técnicas e regras pragmáticas;
3. Exortações: proposições que apelam para o sentimento social, valores, princípios, máximas que exigem respeito ao bem comum, ao interesse público, a dignidade da pessoa humana etc.
Com esse novo aparato de ferramentas e o saber tecnológico, o Direito passa a trabalhar no que pertine à realidade e à sociedade, diferentemente do que se observava no modelo antigo, em que o Direito deveria obedecer a natureza das coisas.
Desa forma, o saber dogmático também passa a carregar uma função pedagógica, considerando que está presente em tratados, comentários e ensaios jurídico—científicos, oferecendo um saber comum, uma mesma base às diferentes profissões jurídicas, possibilitando a institucionalização da tradição jurídica.
Assim, a dogmática se apresenta como uma ciência da decisão, da apresentação de critérios para se decidir, fazendo um corte na realidade e ressaltando os aspectos relevantes para o Direito.
Ciência dogmática e seu objeto
Destacamos, de início, que as ciências, em geral, possuem enunciados descritivos. Conforme exemplificamos em aula, a Biologia estuda a vida e suas manifestações, permitindo que os cientistas avaliem, por meio de seus métodos, se os enunciados são verdadeiros ou falsos.
No que se refere ao Direito, a preocupação dos juristas se concentrará em seu núcleo que é a decisão e sua validade.
Dessa forma, a ciência dogmática do Direito busca apontar essas relações de validade, de dever-ser, prevendo em certa medida quais decisões podem decorrer de uma norma e quais suas respectivas consequências, cujo principal objeto é o próprio ser-humano, já que dele decorrem os conflitos e as questões a serem decididas, segundo os ensinamentos de Tércio Sampaio Ferraz Junior.
A fim de melhor expor a ciência dogmática jurídica, serão apresentados três modelos abaixo, os quais são enfoques possíveis que também representam três diversas concepções do ser humano:
1. Modelo analítico: se trata da sistematização de regras, em uma abordagem formalista, derivada da necessidade do ser humano em compatibilizar seus interesses. Estuda a teoria da norma, o Direito como norma e seu conceito; conteúdos normativos, tais como: tipos de normas jurídicas, sujeitos normativos e relações jurídicas; teoria do ordenamento e sua validade, vigência, eficácia e força; e, as fontes do Direito.
2. Modelo hermenêutico: tem como premissa o fato de o ser humano agir com significado, mesmo nos menores gestos. Por isso, sob esse enfoque, o Direito possui função interpretativa. Estuda a teoria da interpretação; interpretação e integração do Direito; e, a função social da hermenêutica.
3. Modelo empírico: por meio desse ângulo de visão, o ser humano é dotado de funções e se adapta a uma contínua mudança de ambiente. Assim, aqui o Direito se mostra como sendo fonte de explicação do comportamento humano enquanto regulado por normas. Estuda a teoria da decisão ou argumentação jurídica; decisão jurídica como controle de comportamento; teoria e aplicação do direito: subsunção e prova; argumentação jurídica: tópica, demonstração e argumentação; e, argumentos jurídicos em espécie.
Destacamos, por fim, que cada um desses modelos será visto em melhor detalhe nas próximas aulas.