Estatuto do Desarmamento - Introdução
Evolução legislativa
A Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei n° 3.688/41), tipificava a conduta de carregar arma de fogo, sem licença da autoridade no artigo 19.
Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:
Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente.
O Estatuto do Desarmamento revogou esse artigo? Formalmente, não houve a revogação. No entanto, a doutrina e a jurisprudência majoritária entendem que o dispositivo passou a ter aplicação restrita ao uso de armas brancas, sendo afastada para armas de fogo.
Posteriormente, foi sancionada a Lei n° 9.437/1997, que tipificou o disparo, posse e porte de arma de fogo. Antes, o disparo, posse e porte de arma de fogo eram considerados como contravenções penais, punidos com prisão simples. Com a vigência dessa lei, essas condutas passaram a ser crime punível com pena de detenção.
Em 2003, foi aprovada a Lei n° 10.826, conhecida como Estatuto de Desarmamento (ED), após forte campanha midiática pela regulamentação mais severa e punição mais rigorosa de crimes de posse e porte irregular de arma de fogo. Essa lei previu uma série de tipos abertos, normas em branco, exigindo que houvesse complementação de outra espécie normativa para definição de alguns aspectos. Junto com o Estatuto, estão vigentes os seguintes decretos:
- Decreto 9.847/19 – Trata da aquisição, cadastro, registro, porte e comercialização de armas de fogo e de munição, e institui o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas;
- Decreto 10.030/19: Regulamento de produtos controlados;
- Decreto 11.366/23: Suspende o registro para aquisição e transferência de armas e de munições de uso restrito por caçadores, colecionadores, atiradores e particulares, restringindo os quantitativos de aquisição de armas e de munições de uso permitido, suspendendo a concessão de novos registros e de clubes e de escolas de tiro, suspendendo, e instituindo grupo de trabalho para apresentar nova regulamentação.
Sistema nacional de armas
O Sistema Nacional de Armas (SINARM) é um entidade de âmbito nacional vinculada ao Ministério da Justiça e gerenciada pela Polícia Federal. O SINARM é responsável pelo registro de armas de fogo em todo território brasileiro.
Antes da criação dessa entidade, o serviço de registro era realizado pelo Departamento de Produtos Controlados da Polícia Civil de cada Estado, de modo que era difícil fazer um cruzamento de dados de mais de um sistema.
A única exceção em que o SINARM não regularizará armas no território brasileiro é nas Forças Armadas, pois essa atividade cabe à própria instituição (art. 2º, p. ú., ED).
Classificação das armas de fogo
A classificação das armas de fogo é importante porque, a depender da arma de fogo utilizada pelo agente, ele incorrerá em tipos penais diferentes. Todas essas classificações estarão inscritas nos decretos mencionados.
Quando ocorre a posse de arma de fogo de uso permitido, haverá incidência do artigo 12 do ED (detenção de 1 a 3 anos e multa). Por outro lado, se o indivíduo estiver portando arma de fogo, incidirá no artigo 14, com previsão de pena reclusão de 2 a 4 anos e multa. Já na ocorrência de crime mediante posse ou porte de arma de fogo de uso restrito, haverá incidência do artigo 16 (reclusão, de 3 a 6 anos, e multa).
- Armas de uso permitido: são aquelas cujas pessoas físicas e jurídicas podem obter posse e porte.
- Armas de uso restrito: são de uso exclusivo das forças armadas, instituições de segurança pública e de pessoas físicas e jurídicas habilitadas e devidamente autorizadas pelo comando do exército. Ex.: Fuzil, metralhadora.
- Armas de fogo de uso proibido: São as consideradas como tais nos tratados internacionais em que o Brasil é signatário, e aquelas que são dissimuladas para parecerem objeto sem potencial ofensivo. Ex.: arma no sapato.
Não é necessário decorar os tipos de arma existentes e se elas são de uso restrito ou permitido.
Tipos penais preventivos (HC 211.823-STJ)
Essa questão foi abordada pelo STJ no julgamento do Habeas Corpus 211.823, no qual o Tribunal definiu que os tipos penais preventivos são tipos criados como obstáculo para evitar o cometimento de outros crimes. Nesses tipos, o legislador tipifica um ato preparatório de um crime, transformando-o em delito autônomo, evitando o cometimento desse delito. Ex.: o porte ilegal de arma de fogo pode ser um ato preparatório para um homicídio, lesão corporal, extorsão mediante sequestro, etc.
Estatuto do Desarmamento e Lei Maria da Penha
A Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/ 2006) possui alguns dispositivos que dialogam com o Estatuto do Desarmamento. O artigo 12, VI-A determina que o delegado de polícia, feito o registro de ocorrência, busque por registro de arma de fogo em nome do suspeito. Caso haja esse registro, esse fato deve ser inserido no processo, e o caso deve ser comunicado à instituição responsável pela concessão ou pela emissão do porte.
O artigo 18, IV da Lei Maria da Penha, por sua vez, prevê uma medida protetiva de urgência específica para esses casos, no qual haverá determinação pelo magistrado, de ofício, da apreensão da arma de fogo sob posse do agressor. Outra medida que poderá ser determinada é a constante no artigo 22, que faculta ao juiz a suspensão do porte ou posse do sujeito.
Apesar dos artigos 18 e 22 possuírem resultados similares à primeira vista, eles são complementares:
- Artigo 18: é uma restrição relativa, cessando o acesso à arma de fogo pessoal do agressor.
- Artigo 22: trata-se de uma restrição absoluta, uma vez que foi pensado para, por exemplo, a situação de um policial militar agressor que tem acesso a armas em sua profissão, há também proibição de acesso às armas do batalhão, não só as armas próprias.