Habeas Data
Introdução
O Habeas Data (HD) é um dos remédios que surgiram com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88). É um remédio constitucional destinado à tutela do direito à informação constante de banco de dados de natureza pública, serve para proteger a intimidade e a vida privada. A sua garantia constitucional não se confunde com o direito de obter certidões (art. 5º, XXXIV, b, CF/88) ou de informações de interesse particular, coletivo ou geral (art. 5º, XXXIII, CF/88).
Sua existência está ligada aos anos da ditadura, época em que as autoridades recolhiam informações sobre a vida da pessoa como cadastro e acrescentavam dados fictícios. Em razão disto, a CF/88, com ideias republicanas e inspirada no direito americano e europeu, criou esta ação. Inclusive, nos EUA, em 1974, havia o freedom information act e nas constituições portuguesas e espanholas já havia a previsão deste remédio.
Previsão constitucional e infraconstitucional: hipóteses de cabimento
O Habeas Data está positivado no inciso LXXII do art. 5º da Constituição da Federal, o qual traz duas hipóteses de cabimento: (a) para se ter acesso à informação; (b) para a retificação da informação. Há uma terceira hipótese na Lei nº 9.507/1997, art. 7º, III, que é (c) para a complementação da informação.
Art. 5º, CF. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]
LXXII - conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;
Art. 7°, Lei nº 9.507/1997. Conceder-se-á habeas data: […]
III - para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável.
Por exemplo, a pessoa vai ao Serasa, uma entidade privada que possui um banco de dados públicos, e requer uma informação pessoal. O Serasa, então, nega a fornecer o dado. Isso autoriza o solicitante a impetrar um HD para acessar a informação. Ao conseguir o dado, havendo erro, a pessoa pode requerer a correção, mas, se o Serasa negar, também é cabível a impetração do HD.
Essas duas hipóteses são constitucionais, a terceira, trazida na Lei nº 9.507/1997, ocorre quando a pessoa percebe que a informação precisa de complementação, solicita e recebe negativa. Então, pode ser impetrado novo HD. Por exemplo, na entidade há a informação de que a pessoa possui uma dívida que está sendo cobrada, mas o débito está sendo questionado judicialmente e, por isso, ela terá o direito de complementar o dado daquele banco.
Esse remédio constitucional, assim como os demais, possui uma natureza jurídica híbrida, porque ao mesmo tempo em que se trata de uma ação constitucional, ele tem natureza cível de procedimento especial no plano infraconstitucional. Seu procedimento é diferenciado, dado que se encontra positivado na Lei nº 9.507/97.
Legitimidade ativa e passiva
Qualquer pessoa, física ou jurídica, em benefício próprio pode impetrar um Habeas Data. Percebe-se uma outra diferença em relação ao HC, porque o HD só pode ser usado pela pessoa que busca ter acesso às suas informações. É uma ação personalíssima que por envolver informações sigilosas, a doutrina entende que ela tangencia o direito à honra.
A parte passiva, o impetrado, isto é, contra quem o HD é dirigido, pode ser qualquer pessoa que administre um banco de dados públicos ou privados de natureza pública. Deste modo, pode-se impetrar um HD, por exemplo, contra o CADIN, assim como Serasa, SCPC, que possuem natureza privada, mas administram dados públicos.
Outro exemplo, julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, foi um HD impetrado contra um hospital particular, onde uma pessoa ficou internada e, depois de curada, requereu acesso a informações de seu prontuário médico. Este acesso foi negado e, por isso, foi impetrado o HD, o qual foi julgado procedente:
HABEAS DATA. PRETENSÃO DE OBTENÇÃO DE PRONTUÁRO MÉDICO QUE EMBASOU A EDECISÃO DE SUA APOSENTADORIA PROPORCIONAL, POR INVALIDEZ PERMANENTE. PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA SUA CONCESSÃO. ART. 7º DA LEI 9.507/1997. DIREITO À INFORMAÇÃO. CONCESSÃO DO HABEAS DATA. (TJ-RJ – HD: 00082814720178190000 RIO DE JANEIRO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, RELATOR: BENEDICTO ULTRA ABICAIR, DATA DE JULGAMENTO: 31/01/2018, SEXTA CÂMARA CÍVEL, DATA DE PUBLICAÇÃO: 08/02/2018).
Não cabimento do Habeas Data
O Habeas Data não tem como finalidade permitir acesso a informações públicas, pois este seria o papel do mandado de segurança. Portanto, o remédio constitucional estudado nesta aula se destina tão somente a defender o acesso, a retificação ou a complementação de dados pessoais. Além disso, não cabe HD para pedir informações que estão em sigilo, se os dados sujeitos ao sigilo cumprirem os requisitos da lei.
Conforme José Afonso da Silva, o HD é um remédio constitucional que protege a esfera íntima dos indivíduos, seja porque houve introdução desses registros de dados sensíveis por meio fraudulento, ou para a correção de dados pessoais falsos.
O Habeas Data impetrado por herdeiro
É possível que o HD seja impetrado por herdeiro do de cujus, podendo ser o(a) viúvo(a), ou os filhos. Este é um caso de lógica, porque o falecido não pode ingressar com ação em juízo e, por isso, é perfeitamente possível que os herdeiros usem o HD para acessar, retificar, ou complementar os dados pessoas daquele que faleceu. No entanto, a jurisprudência não consolidou seu entendimento sobre quais herdeiros teriam a legitimidade ativa. Neste caso, quando o HD for impetrado, deve-se qualificar aquele que está vivo e indicar que a ação busca acessar os dados pessoais do de cujus.
Peculiaridades procedimentais
Assim como o HC, o HD também é gratuito, mas diferente daquele, este precisa de representação por advogado. Além disso, também se exige a obediência às formalidades de uma petição inicial comum do Processo Civil. Logo, não é um procedimento informal.
Para a impetração do HD é necessário que haja uma recusa administrativa ou uma omissão. Esta é uma condição de procedibilidade. Portanto, é preciso que haja um impedimento ao acesso, à retificação ou à complementação do dado, ou o prazo previsto dado pelo banco de dados se esgotar para que se configure a omissão. Inclusive. É o que diz a Súmula nº 2 do STJ:
Súmula 2. Não cabe o habeas data (CF, art. 5, LXXII, letra "a") se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa. (Súmula 2, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/05/1990, DJ 18/05/1990)
Em muitos casos, as petições iniciais precisam ser acompanhadas de prova pré-constituída para a impetração do HD, afinal, por ser um procedimento especial e, consequentemente, mais rápido, não há dilação probatória. Os requisitos a serem cumpridos na petição inicial estão no art. 8º da Lei nº 9.507/97.
Art. 8° A petição inicial, que deverá preencher os requisitos dos arts. 282 a 285 do Código de Processo Civil, será apresentada em duas vias, e os documentos que instruírem a primeira serão reproduzidos por cópia na segunda.
Parágrafo único. A petição inicial deverá ser instruída com prova:
I - da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão;
II - da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão; ou
III - da recusa em fazer-se a anotação a que se refere o §2° do art. 4° ou do decurso de mais de quinze dias sem decisão.
O HD também não admite pedidos cumulativos, isto é, pedir para ter acesso aos dados pessoais e pedir para retificá-los. Este é um entendimento doutrinário e jurisprudencial, de modo que não cabem também pedidos alternativos. Conforme o art. 19 da Lei nº 9.507/97, o habeas data possui prioridade sobre todos os atos judiciais, com exceção do habeas corpus e do mandado de segurança:
Art. 19. Os processos de habeas data terão prioridade sobre todos os atos judiciais, exceto habeas-corpus e mandado de segurança. Na instância superior, deverão ser levados a julgamento na primeira sessão que se seguir à data em que, feita a distribuição, forem conclusos ao relator.
Parágrafo único. O prazo para a conclusão não poderá exceder de vinte e quatro horas, a contar da distribuição.