Bem-vindos ao início de nossa jornada pelo pragmatismo jurídico, um campo que transcende o teórico e se enraíza firmemente na prática e nos resultados tangíveis do direito. Adiante, vamos desvendar o pragmatismo jurídico, emergindo não apenas como uma corrente filosófica, mas como uma força viva dentro do universo jurídico.
O Pragmatismo é um movimento filosófico que condiciona a validade de uma teoria a um resultado prático, ou seja, que uma ideia só pode ser aproveitada a partir de uma perspectiva prática que geram resultados reais e mensuráveis.
O pragmatismo jurídico tem suas raízes no final do século XIX nos Estados Unidos, construído pela mente de três filósofos influentes: William James, John Dewey e Charles Sanders Peirce.
Em 1970, Richard Rorty reacende o pragmatismo clássico e cria a chamada “Segunda onda” do pragmatismo filosófico.
A exploração do pragmatismo jurídico se fundamenta em cinco premissas principais:
Embora próximos, o pragmatismo e o utilitarismo apresentam nuances distintas. O pragmatismo é epistemológico, ou seja, procura sistematizar e classificar as mais diversas formas de conhecimento e se concentra na utilidade do conhecimento e seus resultados práticos, enquanto o utilitarismo olha para a ética e o bem-estar individual a partir de uma perspectiva de normas de conduta e comportamento ético.
Vamos explorar agora a relação íntima e complexa entre o pragmatismo e o utilitarismo, dois movimentos filosóficos que deixaram marcas profundas na história do capitalismo e influenciaram fortemente o direito moderno.
Embora o pragmatismo e o utilitarismo sejam frequentemente associados devido à sua valorização do resultado prático, eles são distintos em sua essência.
O utilitarismo, que surgiu na Inglaterra através de pensadores como John Stuart Mill e Jeremy Bentham, é pautado pela valorização do indivíduo, especialmente em garantia do direito de bem estar individual de cada um.
O utilitarismo enfatiza o bem-estar individual, mas o pragmatismo jurídico nos adverte sobre os perigos de um individualismo excessivo, que pode sacrificar o bem-estar coletivo. A valorização excessiva do indivíduo pode levar a injustiças contra minorias e a uma perda do sentido dos direitos coletivos, um conceito que o direito antidiscriminatório procura salvaguardar.
Já o pragmatismo, que é originário dos Estados Unidos, valoriza ideias e teorias baseadas em sua aplicabilidade e consequências práticas. O pragmatismo é focado em conhecimento, enquanto que o utilitarismo é focado na ética como princípio fundamental.
Uma teoria é considerada útil no pragmatismo não apenas pelo seu sucesso individual, mas pelo seu contributo para o progresso social. Em oposição a conceitos abstratos, o pragmatismo valoriza teorias que promovem estabilidade social e soluções para problemas concretos.
No campo da epistemologia, o pragmatismo é uma ciência da ação, distinta do utilitarismo que é mais identificado com uma ética do conhecimento. O pragmatismo se preocupa com o conhecimento prático que pode ser testado e comprovado, ecoando a filosofia empírica de Aristóteles em contraste com o idealismo platônico, que é um sistema dedutivo decorrente de uma ideia.
Tendo em vista o objetivo principal de conectar teoria e prática por meio do estudo do conhecimento, a partir do pragmatismo filosófico surgem várias formas de conhecimento voltadas à valorização do aspecto prático das teorias, e o direito foi uma delas.
Nossa jornada pelo pragmatismo chega a um novo patamar, onde discutimos sobre pragmatismo filosófico e, agora, discutiremos sobre a aplicação do pragmatismo ao direito - pragmatismo jurídico.
O pragmatismo jurídico aplica valor às teorias e normas jurídicas a partir de suas consequências práticas. Isso implica que, ao invés de nos atermos somente à dogmática jurídica, devemos avaliá-las pelo método zetético, verificando como as normas operam na realidade e o que elas efetivamente provocam na sociedade.
Na sociologia do direito, podemos enxergar esse movimento em, por exemplo, a relativização das normas jurídicas para que seja aplicada do modo mais justo e muitas vezes sendo recortado por um contexto específico, ao invés de uma análise generalista.
Historicamente, a sociologia clássica ofereceu uma visão abstrata da sociedade. No entanto, no século XX, presenciamos uma transição para uma sociologia mais prática, que valoriza os aspectos concretos do comportamento humano e suas implicações jurídicas. Essa mudança reflete a influência do pragmatismo jurídico, que se preocupa com a estabilidade das relações jurídicas e suas implicações sociais.
A norma jurídica não pode mais ser vista como uma entidade isolada, mas sim como uma parte do processo jurídico interativo com a realidade. O direito, em sua essência, entende-se como uma ciência dogmática, porquanto seja perfeito e coeso. Entretanto, a dogmática jurídica, apesar de ser uma base importante, não é absoluta e deve ser complementada pela análise pragmática, que inclui a ética e a eficácia social das leis.
Ao inserirmos a zetética na interpretação das normas jurídicas, incorporamos a possibilidade de relativização das normas jurídicas, priorizando o compromisso com a realidade social, sendo o pragmatismo o “sacrifício do abstrato em prol do concreto”.
Importante destacar que o pragmatismo defende que as decisões não sejam fundamentadas em teorias abstratas e não testadas. Aqui, não significa que as teorias não tenham validade, mas sim que, em cada caso, seja avaliado e considerado as consequências práticas.
Por exemplo: pragmatismo defente que as decisoes não sejam fundamentadas em teorias abstratas e não testadas. Isso não quer dizer que elas (as teorias abstratas) não funcionem de forma definitiva, mas é preciso avaliar as consequencias práticas.
Para resumir, podemos lembrar do pragmatismo jurídico pelas seguintes caractetístiscas:
Vamos prosseguir com nosso estudo sobre o pragmatismo jurídico e discutir mais sobre seu principal expoente, assim como aplicar essas ideias de maneira prática.
Ele propõe que os magistrados devem sempre considerar as consequências práticas de suas decisões, mesmo aquelas que parecem ter um impacto limitado a um contexto local.
A influência de Posner é tão forte e universal que refletiu profundamente na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, especialmente nos artigos 20 e 30, incluídos com o advento da lei nº 13.655/2018. Vejamos:
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.
Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.
Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão.
A forma de raciocínio de Posner passa por duas etapas importantes:
É uma estrutura que nos leva a ponderar não apenas o propósito, mas também as consequências práticas de uma norma.
O propósito de uma norma é interpretar e extrair o significado mais adequado ao contexto e aplicá-la sem que isso atinja outros bens jurídicos, sejam eles tangíveis ou intangíveis.
Vamos usar um exemplo.
Há a necessidade de criar uma ponte para atravessar de um lado da cidade para outro. A norma que estipula a construção desta ponte tem como objetivo facilitar a locomoção, que hoje é feita de uma forma muito difícil e custosa.
Ao verificar as opções, verifica-se que há opção de uma ponte móvel versus uma ponte fixa. Uma ponte móvel pode causar menos danos ambientais em comparação à fixa. Aqui entra a interpretação teleológica da norma - buscamos a finalidade da norma, sem nos prendermos exclusivamente à sua literalidade.
Portanto, devemos escolher a opção que resulte no melhor equilíbrio entre atingir esse propósito e minimizar danos colaterais, como os danos ambientais.
Essa análise denota a teoria de Posner sobre interpretar as normas segundo a sua finalidade.
No âmbito de interpretação dos termos jurídicos (hermenêutica), temos dois métodos de leitura:
A leitura sistêmica nos orienta a interpretar uma norma em harmonia com o restante do ordenamento jurídico. Uma interpretação isolada pode ignorar o impacto em outras normas e princípios, como o da proporcionalidade.
No exemplo da ponte retrocitado, para além da norma que determinou sua construção, foi considerada também as normas ambientais, de direito civil, direito urbanístico, direito constitucional, direito administrativo, etc.
A teleologia é a ciência que estuda e busca a finalidade das coisas. Com base nisso, esse método considera a busca da finalidade para ação. No nosso exemplo, a finalidade é garantir o exemplo de ir e vir.
Nesse âmbito, é muito importante considerar o princípio da proporcionalidade, que nos leva a avaliar se uma medida é adequada, necessária e proporcional em sentido estrito.
A nossa análise deve ser holística, considerando todos os impactos e buscando equilibrar os benefícios com os malefícios. No pragmatismo jurídico, é essencial buscar um resultado prático que seja benéfico para a sociedade sem comprometer outros valores jurídicos.
Vamos agora explorar a crítica ao abstracionismo e ao excessivo racionalismo no direito, bem como a importância de avaliar as consequências práticas das decisões judiciais, seguindo os ensinamentos de Richard Posner, uma figura central nesse movimento.
O pragmatismo se posiciona de forma crítica, destacando claramente o que deseja combater. Podemos citar:
Posner destaca a necessidade de os tribunais tomarem decisões que sirvam de modelo e inspirem a seleção de outras causas, trabalhando com a ideia de coletividade e danos individuais mensuráveis.
Entretanto, Posner argumenta que a jurisprudência não deve ser uma simples fábrica de decisões iguais, mas um instrumento para promover justiça, desafiando o excessivo racionalismo e a uniformização do direito. Ele coloca em dúvida a função monolítica do direito de apenas resolver problemas, sugerindo que o direito deve também organizar e melhorar a vida social.
Quando enfrentamos um problema comum, como um defeito de fabricação que afeta milhares de consumidores, entramos no domínio dos direitos difusos e coletivos. A solução jurídica para esses problemas deve ser eficiente e prática, muitas vezes por meio de um incidente de resolução de demandas repetitivas, que uniformiza uma decisão e estabelece parâmetros para casos semelhantes.
Analisando um caso concreto, como o tratamento de quimioterapia em planos de saúde diversos, percebemos que a aplicação monolítica do direito não é suficiente, pois cada situação é única, com gravidades, condições e realidades distintas, mesmo que haja, entre todos, a necessidade de garantia do direito à vida e à saúde. Aqui, o pragmatismo jurídico promove uma visão mais empírica e contextual, que se preocupa com as consequências práticas de cada decisão.
O direito deve estar alinhado com a realidade prática e as necessidades humanas, evitando decisões que sejam desproporcionais ou desconectadas do contexto social. Para superar essas críticas, o pragmatismo possui quatro divisões que consistem em características cumulativas entre si. São elas:
Veremos, mais adiante, sobre cada uma.