Emoção, Paixão e Embriaguez
Visto que a inimputabilidade decorre da incapacidade de a pessoa compreender a ilicitude do ato ou de se determinar sobre este entendimento, o Código Penal disciplina ainda a situação da pessoa que comete o delito em estado de emoção ou paixão.
A emoção é entendida como o sentimento intenso e passageiro que altera o estado psicológico do indivíduo, com ressonância fisiológica (ex.: medo, vingança, tristeza), enquanto a paixão é a ideia permanente ou crônica por algo (ex.: amor, ódio, cupidez, ciúme).
Estes estados fazem parte de nossa vida cotidiana e, em geral, não há motivo para que recebam tratamento diverso pela lei penal. De fato, o art. 28 do Código Penal estabelece:
Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal:
I – A emoção ou a paixão; [...]
Como em muitas regras, há exceções nas quais a emoção ou a paixão podem atrair tratamento especial da lei penal:
- Quando o delito for cometido sob coação moral irresistível: caso em que o agente é obrigado a ter a conduta delitiva, por exemplo, mediante grave ameaça à própria vida ou de ente querido. Neste caso, se a coação for irresistível e decorrente de ameaça grave, certa e inevitável, não se pode exigir que o agente tenha agido de outro modo.
- Quando a emoção ou a paixão configurarem estado patológico que comprometa a compreensão da realidade ou a determinação do sujeito. Esta hipótese amolda-se à inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental retardado ou incompleto, e deve ser constatada por perícia.
- Domínio de violenta emoção causada por injusta provocação da vítima: em dois casos específicos (homicídio doloso – art. 121, 1º do CP – e lesão corporal dolosa – art. 129, §4º do CP), a lei permite a redução da pena de 1/6 a 2/3 se o crime tiver sido cometido sob o domínio de violenta emoção, como reação após injusta provocação da vítima. Não configura esta hipótese o caso em que, ofendido, o agente rumina sua mágoa ou raiva para, depois de uma hora, por exemplo, lesionar ou matar a vítima.
- Influência de violenta emoção após injusta provocação da vítima: trata-se de uma atenuante genérica que pode ser aplicada à dosimetria de pena em qualquer crime, se restar comprovado que a conduta do agente foi influenciada por violenta emoção em reação imediata a injusta provocação da vítima (art. 65, III, “c” do CP).
Embriaguez
A embriaguez, dependendo de suas circunstâncias, pode ter tratamento diferente pela lei penal, até mesmo para determinar a inimputabilidade do agente.
Considera-se como embriaguez o distúrbio físico-mental resultante de intoxicação transitória pelo álcool ou substâncias de efeitos análogos, que afetem o sistema nervoso central. Caso se trate de substância catalogada como droga, a situação de intoxicação é regulada pelo art. 45 da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas).
As consequências penais da embriaguez dependem de sua caracterização como acidental ou não acidental:
Embriaguez não acidental – há três tipos: a embriaguez preordenada, em que o agente se embriaga, por sua vontade, com a intenção e ter coragem para cometer o delito, e que configura circunstância agravante (art. 62, II, “l” do CP); a embriaguez voluntária, em que o agente ingere álcool com a simples intenção e ficar embriagado, alterado; e a embriaguez culposa, em que o agente ingere álcool ou substância análoga sem qualquer intenção de se alterar mas assume o risco de tal.
Embriaguez acidental – trata-se da situação em que o agente se embriaga sem qualquer intenção, por caso fortuito (o agente não quis e nem poderia prever que ficaria embriagado) ou força maior (caso de inevitabilidade).
Em regra, a embriaguez não acidental não isenta de pena ou provoca qualquer efeito penal. Pela teoria actio libera in causa (ação livre na própria causa), a constatação da imputabilidade é realizada no momento antecedente à prática delitiva, para determinar se o agente se colocou voluntariamente naquele estado de embriaguez ou propositadamente, com a intenção de cometer o delito, ou sem esta intenção, mas tendo previsto a possibilidade do resultado ou quando podia e deveria tê-lo previsto.
Apenas produz efeitos na esfera penal a embriaguez não acidental preordenada, que é valorada negativamente (em desfavor do réu) na dosimetria da pena como circunstância agravante (art. 62, II, “l” do CP).
Por sua vez, a embriaguez acidental, que independe da vontade ou ação do agente, deve ser considerada de modo a impedir a responsabilização criminal do agente ou mesmo reduzi-la. Se, por caso fortuito ou força maior, o agente estiver completamente embriagado, é considerado inimputável, enquanto o agente com embriaguez acidental incompleta pode ter a pena reduzida de um a dois terços (art. 28 do CP).
Nos casos em que a pessoa é completamente viciada na ingestão de álcool e não consegue se controlar, configura-se uma patologia (doença) que, para efeitos de imputabilidade, é tratada como doença mental e deve ser constatada por perícia.
Uso de entorpecentes
A incapacidade física e mental provocada pelo uso de drogas ilícitas é tratada no art. 45 da Lei de Drogas quanto à culpabilidade do agente.
Do mesmo modo como é tratado na embriaguez, pode ser isento de pena o agente que sofreu o efeito de droga por caso fortuito ou força maior e, com isso, esteve completamente incapaz de compreender a ilicitude da conduta e de se determinar.
Caso a incapacidade seja parcial, mas também decorrente do uso de entorpecentes por caso fortuito ou força maior, é possível reduzir a pena do agente também de um a dois terços, como determina o art. 46 da Lei de Drogas.
Vê-se que, no caso de drogas ilícitas ingeridas por caso fortuito ou força maior, a disciplina da imputabilidade é análoga à da embriaguez acidental.
Contudo, a Lei de Drogas reconhece expressamente a inimputabilidade do sujeito absolutamente dependente de entorpecente e que, em razão deste vício, seria completamente incapaz de entender a ilicitude da conduta ou de se determinar.