Homicídio Doloso Simples e Privilegiado
Até agora, o crime de homicídio foi estudado em sua modalidade dolosa simples, consubstanciada na simples conduta de “matar alguém”.
A lei 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos), com fundamento no artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, traz em seu artigo 1º um rol de espécies de crimes classificados como “hediondos”, grotescos, os quais são inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia. Dentre esses crimes, encontra-se o homicídio, tanto na modalidade simples quanto na modalidade qualificada. Há que se notar, no entanto, que o homicídio simples somente será considerado um crime hediondo em uma circunstância específica: se for praticado em atividade típica de grupos de extermínio.
O legislador, em atenção à diversidade de circunstâncias que podem levar alguém a cometer esse crime, dispôs sobre uma terceira modalidade, não abarcada pela Lei de Crimes Hediondos: o homicídio privilegiado. Apesar do nome, trata-se, na realidade, de um homicídio contemplado por causa de diminuição da pena, prevista no parágrafo 1º do artigo 121 do Código Penal, que diz:
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A leitura desse parágrafo nos mostra que o enquadramento de um homicídio como privilegiado, ensejando a redução da pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), depende da análise da motivação da conduta do agente. Por essa razão, as circunstâncias que permitem a diminuição da pena de homicídio são chamadas circunstâncias subjetivas ou, ainda, circunstâncias de caráter pessoal. São três:
- Agente motivado por relevante valor social: Nessa hipótese, o agente comete o homicídio buscando fazer um bem à sociedade com seu ato.
Exemplo: O agente mata um criminoso que está aterrorizando sua cidade, com o desejo de pôr fim a situação de insegurança.
- Agente motivado por relevante valor moral: O agente mata uma pessoa por um sentimento de honra, de preservação da moralidade.
Exemplo: Pai que mata o homem que estuprou sua filha.
- Agente sob domínio de violenta emoção após injusta provocação da vítima: Nesse caso, a vítima provoca injustamente o autor do homicídio, despertando-lhe uma raiva instantânea (e por isso se fala em emoção, e não paixão ou ódio, que são duradores) e motivando sua reação imediata. O uso da expressão “domínio” nos mostra que se trata de algo mais forte que a simples influência (vide artigo 65, inciso III, alínea “c”, do Código Penal), ou seja, o agente perde totalmente o controle de seus atos.
Exemplo: A vítima do homicídio acusa uma pessoa de estuprar crianças do bairro pelo simples fato de ela ser negra. Vindo essa pessoa, totalmente indignada e com muita raiva, a reagir imediatamente, atacando e matando a vítima, ela será enquadrada na situação de violenta emoção após injusta provocação da vítima. Se, no entanto, esta pessoa difamada maquinar o assassinato friamente ao longo de um bom intervalo de tempo, tal causa de diminuição da pena será afastada, pois falta o “calor do momento”.
Vale lembrar que somente o homicídio doloso pode ser considerado privilegiado. Dessa forma, quem vai analisar a motivação do agente e decidir se está presente alguma das circunstâncias subjetivas autorizadoras da diminuição da pena não é o juiz, e sim os jurados, no rito do Tribunal do Júri (vide artigo 483, inciso IV, do Código de Processo Penal). Por isso, embora o parágrafo 1º do artigo 121 do Código Penal diga que o juiz pode reduzir a pena, na verdade ele é obrigado a realizar a diminuição, porque a decisão dos jurados é soberana e vinculante, cabendo ao juiz somente fazer a dosimetria da pena e aplicá-la.