Criminologia Tradicional
A criminologia tradicional é caracterizada por teorias que possuem como base a Teoria do Consenso, que sustenta que os objetivos da sociedade são atingidos quando há o funcionamento perfeito das suas instituições a partir de um consenso geral.
Escola de Chicago
Surgiu nas décadas de 1920 e 1930 no departamento de sociologia da Universidade de Chicago e inaugurou a sociologia das grandes cidades.
Estamos aqui em um cenário de recente aumento da criminalidade dado a partir de mudanças e efusões na sociedade, tais como a expansão da indústria, o grande crescimento populacional aliado à significativa entrada de imigrantes, consequentes mudanças nas relações de produção e, enfim, aumento do quadro de caos geral das cidades.
A Escola de Chicago entendeu, então, estarem relacionados o aumento dos crimes cometidos na região com o aumento de conflitos sociais, concluindo que a “cidade produz o crime”.
Como bem colocou Patricia Manente Melhem:
Diante dos problemas observados na cidade, que era o laboratório dos pesquisadores da Universidade de Chicago, seus autores estavam interessados em trabalhos pragmáticos, que pudessem contribuir de alguma forma para a superação dos problemas enfrentados pela população, a partir de suas próprias ações e aptidões, reforçando os mecanismos tradicionais de controle. Foram autores de tradição de pragmatismo, observação direta das experiências e análise de processos sociais urbanos.
Teoria Ecológica
O progresso atrai a criminalidade para os grandes centros urbanos devido à diminuição do controle social informal. O nome da também chamada Ecologia Criminal foi assim posto porque, afinal, a ecologia é o estudo dos seres vivos inseridos em uma complexa rede de organismos conexos.
Neste caso, os sociólogos de Chicago não tratavam dos seres vegetais nem animais, mas dos seres humanos, inseridos em todo seu contexto social. Falavam sobre simbiose e invasão, dominação e sucessão, e demonstravam que a cidade, seu burburinho e seu movimento acabam por movimentar os próprios indivíduos, que não podem ser analisados em separado, mas em conjunto com este grande organismo social.
Teoria Espacial
A prevenção da criminalidade pode dar-se a partir da reestruturação arquitetônica e urbanística das cidades. Acreditava-se que, procedendo a uma reestruturação física, material, das cidades, seria possível diminuir as desarmonias e gerar um ambiente mais organizado, limpo, aprazível, o que influenciaria, por sua vez, a sociedade local.
Podemos notar, em comparação desta escola com as anteriormente vistas, que há crítica maior às instituições e estruturas da sociedade do que à figura do criminoso propriamente dito. Este seria mais um indivíduo produto das condições que lhe foram impostas do que um indivíduo “doente” ou que simplesmente “escolheu” delinquir.
Pode-se dizer que há certa simpatia ou empatia dos estudiosos da Escola de Chicago pela pessoa do delinquente.
Teoria das Janelas Quebradas
Criada por James Q. Wilson e George Kelling em 1982, período posterior ao da Escola de Chicago, reafirma a relação de causalidade entre a desordem e a criminalidade, mas sob outra perspectiva. Tal teoria refuta a tese de que a pobreza ou a desigualdade ensejam a conduta desviante, reforçando que, na verdade, é a sensação de abandono, de desleixo e de descuido que a ensejam.
Segundo esta teoria, basta que se quebrem as janelas de um estabelecimento para que as pessoas (em qualquer lugar da cidade; região rica ou pobre) passem a entrar nele, quebrar as janelas restantes, enfim, indicando que a falta de “cobertura”, “atenção” ou “supervisão” gera a incidência do comportamento desviante.
Em outras palavras, segundo essa teoria, a partir da omissão do Estado, há o desenvolvimento da criminalidade.
A Teoria das Janelas Quebradas foi inspirada em um experimento que se constituiu em deixar um carro estacionado o Bronx, zona pobre e de altos índices criminais de Nova York, e outro idêntico no Palo Alto, zona tranquila e rica da Califórnia.
O primeiro carro foi depredado em questão de dias, ao passo que o segundo veículo permaneceu intocado na primeira semana. Na segunda semana, o segundo carro teve uma janela quebrada pelo experimentador, que observou a depredação total do carro a partir disso.
Como conclusão, defende-se que a causa do crime vai além da pobreza simplesmente, exercendo sobre ela grande influência a aparência de abandono, de descaso, de inércia do Estado diante de atos desviantes.
A sensação do esquecimento da sociedade por parte do ente Estatal seria capaz de desembocar nas pessoas uma tendência irracional ao vandalismo. Assim, a repressão todos os delitos, sejam grandes ou pequenos, e a supervisão constante do aparelho Estatal na sociedade seriam condutas necessárias para mitigar o fenômeno criminal.
Teoria da Tolerância Zero
Estamos aqui também em um cenário de caos e desordem, de altos índices de criminalidade. Em torno das décadas de 1970 e 1980, surge política criminal de Nova Iorque, estabelecida pelo prefeito Rudolph Giuliani, que determinava uma estratégia agressiva contra a vadiagem nas ruas, de forma geral a partir da constituição de um inquérito que gerava a punição penal dos envolvidos.
Banhada das mesmas influências que orientaram a formulação da Teoria das Janelas Quebradas, a Teoria da Tolerância Zero acreditava em uma política law and order, um neopunitivismo, com o entendimento de que, ao punir toda e qualquer infração de forma intensa, haveria a sensação de um Estado presente que cumpria com as suas obrigações e se desestimularia a prática de crimes.
O que vinha acontecendo, afinal, era uma falta de controle e de repressão de depredações, pichações, mendicância e vagabundagem, o que estaria fazendo com que, destes pequenos gestos de desordem, surgissem os delitos mais graves.
Teoria da Associação Diferencial ou Teoria da Aprendizagem Social (Social Learning)
Surgiu em 1924, com os estudos do sociólogo Edwin Sutherland, e foi a primeira a explicar os crimes de colarinho branco. Para o autor, “a criminalidade é fruto de aprendizado do comportamento”, e o comportamento delitivo não é causado pela pobreza nem por simples livre-arbítrio do delinquente, mas pelo fato de a organização social ser diferenciada entre umas classes e outras.
Quando isso acontece, um mesmo indivíduo tem contado com parcelas sociais bem diferentes, das quais recebe influências também muito diferentes. Assim, vive-se experimentando constantes conflitos normativos e de costumes.
O comportamento delinquente, a partir disso, surge quando se tem maior exposição, admiração e influência dos ambientes contrários à lei do que dos ambientes em que prevalece o prestígio às leis. E essa seria a associação diferencial.
Essa influência sobre o indivíduo, ainda, será maior ou menor a depender de fatores como: a frequência com que ele se expõe ao ambiente, a duração de sua estadia nele, e a intensidade do vínculo afetivo/emocional que se tem ali, ou o apresso que o indivíduo tem pelos “influenciadores”. Por isso, diz-se que a família é tão responsável por moldar o comportamento do indivíduo; ela tende a reunir todos esses fatores.
Nessa linha de raciocínio, não se pode explicar o crime simplesmente como uma disfunção de pessoas oriundas de classes menos favorecidas e tampouco a delinquência como resultado de uma socialização inadequada. O comportamento desviante é proveniente da aprendizagem, dada com o contato com padrões favoráveis à violação da lei em sobreposição aos contatos contrários à violação da lei.
Reforçando sua teoria, Sutherland ressaltava o interessante fato de que, dentro de grandes empresas (onde prevalece a fartura e não se passa nenhum tipo de necessidade, desigualdade, discriminação ou marginalização) frequentemente se encontra um cenário generalizado de infrações, desonestidades e corrupções, o que é normalizado e transmitido, quase como um hábito, de geração em geração.
Bem informalmente, diremos que Edwin Sutherland e sua teoria propagavam o “diga-me com quem andas e eu lhe direi quem és”.
Teoria da Subcultura Delinquente
Apresentada na obra Delinquent Boys, de 1955, escrita por Albert K. Cohen, trata do fato de que todo agrupamento humano possui subculturas, em que cada um se comporta de acordo com as regras desse grupo, que podem ser contrárias às regras gerais ou não.
Para fazer valer o sentimento de pertencimento, os indivíduos passam a se comportar como os companheiros, mesmo que tais comportamentos sejam ilegais. Os teóricos da Teoria da Subcultura basearam-se tanto na obra de Sutherland quanto na obra de Merton, que veremos adiante, fazendo uma fusão das duas.
Cohen exemplifica suas ideias usando muito os casos de delinquência juvenil: muitos jovens de camadas marginalizadas da sociedade, expostos à injustiça, desigualdade, vagabundagem e criminalidade, passam a reunir-se em grupos, onde encontram aceitação, pertencimento e identificação.
Juntos, passam a expressar sua revolta com a sociedade injusta, recorrendo a meios ilegítimos de obter regalias, praticando o hedonismo, lançando-se aos hábitos boêmios, e gerando afinal uma verdadeira subcultura seguida e adotada por aqueles que participam desse meio, e usada mesmo como forma de expressão.
Teoria da Anomia
Criada por Robert Merton em torno de 1930 e inspirada já na teoria da anomia de Durkheim, também teve como base a Teoria do Consenso. A teoria da anomia surgiu dentro da Escola de Chicago e é inserida na categoria das Teorias Estrutural-funcionalistas, as quais veem o crime como fenômeno social, normal e funcional. Tratam de uma busca pela explicação da criminalidade sociologicamente.
Para o autor, o comportamento desviado pode ser considerado como produto do afastamento forçado das aspirações e dos meios para atingir tais aspirações do indivíduo, ou seja, ao ser impossível à pessoa atingir suas metas pelos meios adequados, ela acaba cometendo delinquências.
Expliquemos melhor: na sociedade, há diversas subcamadas. Algumas delas têm acesso às coisas todas que se consideram privilégios, outras não. O problema que é gerado aqui não é o da pobreza ou miséria, mas o da desigualdade.
Significa que há classes sociais que, em relação a outras, são desfavorecidas, marginalizadas e depreciadas; não têm acesso aos meios estruturais para atingir o nível cultural que o sistema cultua como desejoso. Isso é o que vem a gerar a anomia.
Derivada desse quadro de anomia, está a frustração estrutural: dentro da macro sociedade em que se incentiva o consumo, valorizam-se muito os bens materiais e se impõe com tanta veemência o atingimento de sucesso, certas camadas se veem diante de objetivos mil que não podem atingir.
A essas camadas, foi extremamente dificultado o acesso aos meios estruturais proporcionadores das bonanças que a sociedade como um todo valoriza. E daí surge uma grande frustração. A frustração estrutural, a qual aumenta proporcionalmente ao nível de desigualdade, ou à anomia social.
Enfim, essas camadas desfavorecidas acabariam reagindo ante da opressão social sofrida de forma a se adaptar, partindo à busca do nível cultural desejado pelos meios de que dispõem. Ora, a sociedade vende um determinado ideal a atingir e, para chegar nele, cada um faz o que pode. Quem não tem à disposição os meios legítimos recorre aos ilegítimos, e daí surge o comportamento desviante.