Vigência
O tema da vigência dos instrumentos coletivos é tratado a partir de três principais correntes teóricas que buscam explicar como as normas oriundas da negociação coletiva impactam os contratos individuais de trabalho e por quanto tempo produzem efeitos.
Teoria da aderência irrestrita
A primeira teoria é a teoria da aderência irrestrita, também chamada de teoria da ultratividade plena.
De acordo com essa perspectiva, uma vez formalizada uma negociação coletiva por meio de acordo ou convenção coletiva de trabalho, as conquistas nela estabelecidas aderem de forma definitiva aos contratos de trabalho vigentes.
Isso significa que, mesmo com o fim da vigência do instrumento coletivo ou com sua substituição por outro que disponha em sentido contrário, os trabalhadores que foram abrangidos pela norma anterior manteriam o direito às vantagens pactuadas enquanto os contratos de trabalho estiverem vigentes.
Por exemplo, se um acordo coletivo prevê um adicional noturno de 40%, enquanto a legislação estabelece o percentual de 20%, os trabalhadores continuariam a receber o adicional de 40% mesmo após o término do acordo coletivo ou mesmo que uma nova norma preveja um percentual inferior.
Assim, os efeitos da norma coletiva permanecem integrados ao contrato individual de trabalho.
Teoria da aderência limitada ao prazo
A segunda corrente é conhecida como teoria da aderência limitada ao prazo, ou como corrente que rejeita a ultratividade.
Nessa visão, as vantagens obtidas por meio de instrumentos coletivos possuem vigência apenas durante o período estipulado no próprio instrumento.
Após o término do prazo de validade, essas conquistas deixam de surtir efeitos. Retomando o exemplo anterior, ao encerrar-se o prazo de vigência de uma norma coletiva que previa adicional noturno de 40%, o trabalhador volta a receber apenas o percentual legal de 20%.
As disposições da norma coletiva, portanto, não integram o contrato de forma permanente, extinguindo-se com o fim de sua vigência.
Teoria da aderência limitada por revogação (teoria da ultratividade relativa)
A terceira teoria é uma posição intermediária, denominada teoria da aderência limitada por revogação ou teoria da ultratividade relativa.
Nesse entendimento, os efeitos das normas coletivas permanecem válidos mesmo após o fim do prazo de vigência, mas apenas até que um novo instrumento coletivo venha a revogá-las ou modificá-las. Assim, as conquistas se mantêm de forma provisória.
Por exemplo, se uma norma coletiva previa adicional noturno de 40%, esse valor continua sendo pago após o fim da vigência, mas poderá ser reduzido para 30% com a edição de novo acordo coletivo, momento em que cessa a aplicação do percentual anterior. A aderência, portanto, persiste até que uma nova norma coletiva disponha em sentido contrário.
Teoria |
Nome alternativo |
Efeitos após o prazo de vigência |
Exemplo |
Integração ao contrato de trabalho? |
Teoria da aderência irrestrita |
Ultratividade plena |
Permanecem permanentemente nos contratos |
Adicional noturno de 40% continua mesmo após novo acordo prever 30% |
Sim, definitiva |
Teoria da aderência limitada ao prazo |
Rejeição da ultratividade |
Cessam com o fim da vigência do instrumento |
Adicional noturno volta a 20% após fim do acordo |
Não |
Teoria da aderência limitada por revogação |
Ultratividade relativa |
Permanecem até nova norma coletiva revogar |
Adicional de 40% se mantém até novo acordo prever 30% |
Sim, provisória |
Qual a teoria adotada?
No âmbito do direito brasileiro, a jurisprudência do TST, especialmente por meio da súmula 277, adotava a teoria da aderência limitada por revogação, ou seja, da ultratividade relativa.
Súmula 277: As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.
Essa súmula estabelecia que as cláusulas normativas de acordos ou convenções coletivas de trabalho integravam os contratos individuais e somente poderiam ser modificadas ou suprimidas mediante nova negociação coletiva. Ou seja, as conquistas permaneciam válidas até que um novo instrumento coletivo fosse celebrado.
Contudo, essa súmula foi objeto da ADPF 323, ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, que alegava violação ao princípio da separação dos Poderes, pois a Justiça do Trabalho estaria criando regras de vigência não previstas na legislação.
Em 2016, o relator da ADPF, ministro Gilmar Mendes, determinou a suspensão de todos os processos que envolvessem a aplicação da súmula 277, até que o STF decidisse sobre a sua constitucionalidade. A partir desse momento, a súmula deixou de ser aplicada.
Em 2017, a Reforma Trabalhista promoveu alterações legislativas relevantes sobre o tema, especialmente no art. 614, § 3º da CLT, que passou a prever expressamente que não será permitida a duração de convenção ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.
Art. 614. [...]
§3º Não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.
Assim, o legislador reformista proibiu de forma expressa a ultratividade das normas coletivas no direito brasileiro, adotando, portanto, a teoria da aderência limitada ao prazo.
Com isso, ao final do prazo máximo de dois anos, os efeitos das normas coletivas cessam, e os trabalhadores perdem os direitos oriundos da negociação coletiva. Para que tais direitos sejam restabelecidos, é necessário um novo processo negocial, com a elaboração de novo instrumento coletivo que estabeleça novamente tais condições.
Portanto, desde a Reforma Trabalhista, não se aplica mais o princípio da ultratividade das normas coletivas no Brasil. Isso foi reafirmado pelo julgamento final da ADPF 323 pelo STF, ocorrido em 2022, no qual a Corte entendeu, por maioria, que a súmula 277 do TST era inconstitucional.
Além disso, considerou-se inconstitucional também a interpretação que alguns setores da Justiça do Trabalho vinham fazendo do art. 114, § 2º da Constituição Federal, como uma autorização para aplicação da ultratividade.
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: [...]
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
Dessa forma, com base tanto na legislação atual quanto na jurisprudência do STF, não há mais possibilidade de aplicação da ultratividade no Brasil.
Quando se encerra a vigência do instrumento coletivo, todas as conquistas nele previstas deixam de produzir efeitos. Inclusive, não é possível prorrogar tais instrumentos por período superior a dois anos.
A prorrogação só é válida se realizada dentro da vigência do instrumento original, e desde que não ultrapasse o limite máximo de dois anos.
A esse respeito, a Orientação Jurisprudencial 323 da SDI-1 do TST dispõe que, nos termos do art. 614, § 3º da CLT, o prazo máximo de vigência de acordos e convenções coletivas é de dois anos, sendo inválida a cláusula ou termo aditivo que prorrogue esse prazo por tempo indeterminado.
É válido o sistema de compensação de horário quando a jornada adotada é a denominada "semana espanhola", que alterna a prestação de 48 horas em uma semana e 40 horas em outra, não violando os arts. 59, § 2º, da CLT e 7º, XIII, da CF/88 o seu ajuste mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Embora o fim da ultratividade possa parecer, em um primeiro momento, prejudicial aos trabalhadores, há também aspectos positivos a considerar.
Essa limitação contribui para o estímulo à negociação constante entre empregadores e empregados, fortalecendo o diálogo social e permitindo a atualização periódica das normas às novas demandas sociais.
Além disso, fomenta a criação e a consolidação de uma data-base anual, especialmente útil para ajustes salariais e revisões de condições de trabalho.
Assim, a vedação à ultratividade reforça os princípios da boa-fé, da paz social e da negociação coletiva como elementos estruturantes do Direito Coletivo do Trabalho no Brasil.