Organização, Princípios e Código Brasileiro de Justiça Desportiva

ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO

ESTRUTURA DA JUSTIÇA DESPORTIVA

A justiça desportiva é regulada por uma lei federal específica, qual seja, a Lei Pelé (Lei n. 9.615/1998). Nos termos do artigo 23, inciso I, dessa lei, “os estatutos ou contratos sociais das entidades de administração do desporto, elaborados de conformidade com esta Lei, deverão obrigatoriamente regulamentar, no mínimo: I - instituição do Tribunal de Justiça Desportiva, nos termos desta Lei”.

Na prática, isso significa que em todos os Estatutos das Entidades de Administração do Desporto (EADs), as entidades deverão regulamentar a criação de um Tribunal de Justiça Desportiva (TJD). Desse modo, para cada Entidade de Administração do Desporto (EAD), seja esta uma Federação ou uma Confederação, haverá um Tribunal de Justiça Desportiva e um Superior Tribunal de Justiça específicos.

Portanto, existem tantos TJDs quantas federações existam.

 ATENÇÃO AOS TERMOS! Cada uma das EADs é responsável por uma modalidade desportiva específica de maior expressão em termos de membros ou de várias modalidades que sejam afins entre si. Um exemplo é a Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos, a qual reúne as modalidades da natação, nado sincronizado, pólo aquático, maratona aquática e saltos ornamentais. As confederações são nacionais e sua função é representar as federações. Estas, por sua vez, representam os clubes, atletas, árbitros e técnicos federados.

Essa obrigação de regulamentação da criação de TJDs pelas EADs independe da modalidade de pessoa jurídica responsável pela constituição da EAD. Sendo assim, seja o ato constitutivo um contrato social (em caso de pessoa jurídica de direito privado) ou um estatuto social (em caso de associações), deverá haver essa previsão.

Além desse dever legal, é importante abordar o artigo 50 da Lei Pelé quanto à estrutura da justiça desportiva, pois esse artigo reforça a competência da justiça desportiva prevista no artigo 217, §1º da CRFB, além de determinar o conteúdo dos Códigos de Justiça Desportiva.

Nos termos do caput do artigo 50 da Lei Pelé, “a organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Desportiva, limitadas ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas, serão definidos nos Códigos de Justiça Desportiva, facultando-se às ligas constituir seus próprios órgãos judicantes desportivos, com atuação restrita às suas competições”.

CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DA JUSTIÇA DESPORTIVA

A primeira das características básicas da justiça desportiva é a autonomia, prevista no caput do artigo 52 da Lei Pelé. Ou seja, nos termos desse artigo, os órgãos integrantes da Justiça Desportiva são autônomos em relação às entidades de administração do desporto de cada sistema, significando que a justiça desportiva realiza a autogestão ou autocontrole de suas práticas.

A segunda característica essencial da justiça desportiva, a independência, está regulamentada no mesmo dispositivo que a autonomia (art. 52, caput, Lei Pelé). Significa que as federações ou confederações às quais a justiça desportiva estiver filiada não poderão sofrer ingerência administrativa.

O terceiro elemento essencial da justiça desportiva é que o custeio de seu funcionamento é feito pela EAD a qual ela está vinculada. Nos termos do artigo 50, §4º da Lei Pelé, “compete às entidades de administração do desporto promover o custeio do funcionamento dos órgãos da Justiça Desportiva que funcionem junto a si”. Ou seja, a gestão financeira e o custeio do funcionamento do TJD é feita pela EAD à qual está vinculado.

ESTRUTURA DE FUNCIONAMENTO DA JD

A estrutura de funcionamento da JD é piramidal, ou seja, há uma pirâmide hierárquica nos moldes do que ocorre na justiça comum. Desse modo, há figuras assemelhadas às instâncias inferiores e superiores dos tribunais do Poder Judiciário.

No caso das EADs regionais, ou seja, federações regionais ou estaduais, a base da estrutura piramidal se encontra no Tribunal de Justiça Desportiva Regional e chega até o Superior Tribunal de Justiça Desportiva, o qual é de nível federal, sendo este o topo da pirâmide.

O primeiro grau da justiça desportiva nos Tribunais Desportivos regionais é a Comissão Disciplinar. Desse modo, ao ser interposta uma ação no âmbito da JD, a lide será primeiramente analisada pela Comissão Disciplinar.

Acima desta, está o Tribunal Pleno da região à qual pertence a EAD, também inserido no âmbito dos Tribunais Desportivos regionais. Sendo assim, após a análise pela Comissão Disciplinar, eventual recurso interposto será analisado pelo Tribunal Pleno.

Por fim, caso haja interposição de recurso após a análise pelo Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça Desportiva regional, esse recurso será julgado pelo Tribunal Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, sendo a atuação deste a nível federal.

No caso das EADs nacionais, como as confederações brasileiras, a pirâmide constitutiva da JD é composta de maneira diversa, sendo a sua estrutura um pouco mais compacta. A análise dos casos interpostos é realizada apenas pela Comissão Disciplinar (figurando esta como o primeiro grau) e o Tribunal Pleno (sendo este o grau de recurso), ambos pertencentes ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva.

COMPOSIÇÃO DOS TRIBUNAIS DESPORTIVOS

O Tribunal Pleno é composto por 9 (nove) auditores. A composição do Tribunal Pleno é definida no texto do artigo 55 da Lei Pelé.

  • Dois membros são indicados pela entidade de administração do desporto (EAD).
  • Dois membros são indicados pelas entidades de prática desportiva (EPD – clubes) que participem de competições oficiais da divisão principal.
  • Dois membros são advogados indicados pela OAB que possuam notório saber jurídico desportivo.
  • Um membro será representante dos árbitros, o qual será indicado pela respectiva entidade de classe.
  • Por fim, dois membros serão representantes dos atletas, a serem indicados pelos respectivos sindicatos.

Perceba-se que a instituição dessas regras se deu com a finalidade de haver um tribunal de composição paritária, com representantes de todos os entes envolvidos na prática desportiva.

A Comissão Disciplinar é indicada pelo Tribunal Pleno, sendo composta por 5 (cinco) membros. Os auditores da Comissão Disciplinar não podem fazer parte do Tribunal Pleno, por haveria claro conflito de interesses, já que poderia acabar por julgar a mesma causa em duas instâncias.

Além dessa restrição, há outras peculiaridades sobre a condição dos auditores, como exigências e restrições ao exercício dessa função. Uma das exigências é a de que o auditor tenha conduta ilibada. (Art. 55, §4º, Lei Pelé)

Antes da Lei n. 9.981/2000, era obrigatório que os auditores fossem bacharéis em Direito ou possuíssem notório saber jurídico. Entretanto, a Lei n. 9.981/2000 tornou opcional a formação jurídica ou o notório saber jurídico, previstos no §4º do artigo 55 da Lei Pelé.

Ademais, é vedado o exercício de cargo ou função na JD àqueles que sejam dirigentes desportivos das entidades de administração e das entidades de prática (EADs – federações e confederações e EPDs – os clubes de práticas desportivas). Entretanto, há uma exceção feita aos membros dos conselhos deliberativos das entidades de prática desportiva, por possuírem os clubes estruturas muito amplas e normalmente são constituídas por associações. Desse modo, entende-se que os membros dos conselhos deliberativos não teriam conflitos ou convergência de interesses com as potenciais partes de ações na justiça desportiva.

Quanto ao mandato dos auditores, aqueles possuem duração de quatro anos, sendo permitida uma recondução, conforme disposição constante no artigo 55, §2º da Lei Pelé.

CÓDIGO BRASILEIRO DE JUSTIÇA DESPORTIVA

INTRODUÇÃO AO CBJD

A competência para aprovar os Códigos de Justiça Desportiva e suas alterações, respeitadas as peculiaridades de cada modalidade, é do Conselho Nacional de Esportes (CNE), sendo este diretamente vinculado ao Ministro de Estado do Esporte/Ministério do Esporte. Essa é a disposição contida no texto do artigo 11, inciso VI, da Lei Pelé.

O atual CBJD foi publicado mediante a Resolução CNE nº 1/2003, tendo sido reformado em 2013 pela Resolução CNE nº 37/2013, a qual instituiu diversas alterações no CBJD. A função primordial das disposições do CBJD é regular o funcionamento da Justiça Desportiva e o processo disciplinar, em todo o território nacional.

APLICABILIDADE DO CBJD

A aplicabilidade do CBJD é definida no §1º do artigo 1º de seu texto. Seus dispositivos aplicam-se:

  • às entidades nacionais e regionais de administração do desporto (EADs – federações e confederações);
  • às ligas (as quais possuem uma constituição jurídica diversa das EADs) nacionais e regionais;
  • às entidades de prática desportiva (clubes de prática desportiva), filiadas ou não às entidades de administração mencionadas anteriormente;
  • aos atletas profissionais e não profissionais;
  • aos árbitros, seus assistentes e aos demais membros de equipe de arbitragem;
  • às pessoas naturais que exerçam quaisquer empregos, cargos ou funções, diretivos ou não, diretamente relacionados a alguma modalidade esportiva, nas entidades anteriormente mencionadas, como, entre outros, dirigentes, administradores, treinadores, médicos ou membros de comissão técnica;
  • e a todas as demais entidades compreendidas pelo Sistema Nacional do Desporto que não tenham sido mencionadas nos incisos anteriores, bem como as pessoas naturais e jurídicas que lhes forem direta ou indiretamente vinculadas, filiadas, controladas ou coligadas (as demais pessoas físicas e jurídicas integrantes do SNE, nos termos do artigo 4º da Lei Pelé, que trata do Sistema Brasileiro do Desporto).

PRINCÍPIOS

Há 18 princípios previstos no texto do artigo 2º do CBJD.

Os princípios da ampla defesa (inc. I), contraditório (inc. III) e o devido processo legal (inc. XV) são princípios gerais de direito, basilares no Estado Democrático de Direito. Desse modo, para que um processo seja considerado democrático, esses são preceitos fundamentais.

Com vistas a conferir eficiência ao processo no âmbito da JD, há os princípios da celeridade (inc. II), economia processual (inc. IV) e oralidade (inc. XI). Considerando-se a dinâmica das competições esportivas, há a necessidade de que o processo seja concluído em tempo hábil a não prejudicar as competições, estando esses princípios diretamente relacionados aos fundamentos dos dois princípios gerais da JD estudados na primeira aula (especialmente ao princípio da jurisdicionalidade temporária, previsto no art. 217, §2º, CRFB).

Quanto ao interesse público do desporto e da justiça desportiva, há os princípios da impessoalidade (inc. V), independência (inc. VI), moralidade (inc. VIII) e motivação das decisões (inc. IX). Isso porque o membro do TJD exerce função considerada de relevante interesse público, conforme artigo 54 da Lei Pelé, sendo aplicados todos esses princípios à JD como direito, inclusive, do torcedor (arts. 34 a 36 do Estatuto do Torcedor – Lei nº 10.671/2003).

No que tange à previsão legal das infrações e ao impulso ex officio do processo disciplinar, há os princípios da legalidade (inc. VII) e oficialidade (inc. X). Ou seja, a infração disciplinar desportiva deve estar prevista no CBJD e o impulso do processo disciplinar é feito pelo próprio Tribunal.

Outros princípios do processo penal que são aplicados também aos processos da JD são os da razoabilidade (inc. XIV) e da proporcionalidade (inc. XII) Apesar de não tratar de delitos e penas, deverá haver equilíbrio entre as infrações e as punições disciplinares, de modo razoável e proporcional.

 Por fim, há os princípios específicos da justiça desportiva. O primeiro a ser abordado é o pro competitione (inc. XVII), cuja tradução desse vocábulo latino para a língua portuguesa seria estabilidade, continuidade e prevalência da competição. Esse princípio refere-se à prevalência do resultado definido no momento do jogo.

 APARECEU NA MÍDIA! Importante ressaltar que nem sempre esse princípio é seguido nos julgamentos efetuados pela justiça desportiva, o que gera indignação por parte de torcedores e juristas. Um exemplo são as críticas feitas ao resultado do julgamento sobre a perda de pontos dos times do Flamengo e da Portuguesa, com consequente retorno do Fluminense à primeira divisão. Interessante colacionar a crítica ferrenha feita por José Augusto Garcia de Sousa em artigo publicado no CONJUR, em 16 de dezembro de 2013: Aqui, por sinal, a função do Direito revela-se tão nobre quanto despojada: ele comparece para esclarecer que seu papel é de mero coadjuvante. Triste do futebol decidido em gabinetes refrigerados, por cidadãos de sapato e beca falando difícil. Os clubes devem investir em craques, não em advogados. Fintas de um Neymar são muito bem-vindas, sempre. O mesmo não se pode dizer dos dribles jurídicos, em cima de deslizes burocráticos. Decididamente, o povo brasileiro, que tem o futebol como uma das suas maiores paixões, não merece nada disso. Que o Direito seja respeitado, afirmando-se com a maior ênfase possível: jogo se ganha no campo. É essa a grande responsabilidade do STJD no histórico julgamento de segunda-feira (16/12). Fonte: http://www.conjur.com.br/2013-dez-16/jose-sousa-stjd-nao-bolha-impermeavel-direito

Outro princípio específico da JD é o da tipicidade desportiva (inc. XVI), pelo qual a aplicação da legislação desportiva e do tipo infracional ao desporto será feita de forma específica ao desporto. Apesar de se assemelhar ao princípio da legalidade, é essencial para o direito desportivo com vistas a evitar decisões arbitrárias ou extensivas quanto à aplicação do CBJD ao atleta.

Há, por fim, o princípio do espírito esportivo (inc. XVIII), o qual faz referência à ética na prática desportiva. Por esse princípio, as atividades desportivas devem ser baseadas em um “jogo limpo” (ou fair play, em inglês), ou seja, devem estar de acordo com uma conduta pautada na boa-fé.

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