Responsabilidade Civil Médica

Introdução

Iniciamos o assunto de responsabilidade civil pela compreensão desse instituto. A responsabilidade civil traz a ideia de restauração de equilíbrio ou de reparação de dano, em decorrência de uma atividade que gera prejuízo. O responsável, portanto, seria a pessoa que, por ter transgredido uma norma, sujeita-se às consequências da sua conduta, podendo ser compelido a restaurar o “status quo ante” (estado anterior das coisas).

Portanto, a responsabilidade civil médica é a necessidade de reparação dos danos causados pelos profissionais da medicina no exercício de suas funções. Este instituto tem previsão no código civil:

Definição de ato ilícito

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Responsabilidade Civil

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A existência de responsabilização cível pelos atos praticados não impede consequências nas esferas penal e administrativa, visto que todas são esferas autônomas e independentes. Podemos classificar as diferentes formas de responsabilidade da seguinte forma:

  • Civil: Ressarcimento de ordem financeira (indenização pecuniária) ao que sofreu o dano ensejado pela prática de um ato ilícito, conforme definição do Código Civil;
  • Penal: Possibilidade de limitação do direito de liberdade, ensejada pela prática de um delito;
  • Administrativa: Restrição de ordem profissional, normalmente fundamentada no Código de Ética Médica.

Resumidamente, a responsabilidade civil médica segue a máxima do direito de que, quem causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Aspectos da Responsabilidade Civil

Faz-se necessário o entendimento das diferentes fontes de responsabilidade civil e a forma de incidência das obrigações. Quanto à origem da responsabilidade, ela pode ser:

  • Contratual ou Negocial: Deriva de uma quebra contratual que criava uma obrigação entre as partes (ex: contrato entre médico e paciente);
  • Extracontratual ou Aquiliana: Violação à ordem jurídica, ou seja, a algum princípio do Direito. Deriva de uma relação espontânea do cotidiano onde existia o dever de não causar danos a outrem.

Via de regra, a responsabilidade é subjetiva, ou seja, deve-se provar elementos relacionados ao sujeito para caracterizar o dano. Tais elementos são o dolo e a culpa:

  • Dolo: Intenção, vontade, propósito de realizar uma determinada conduta e obter um certo resultado;
  • Culpa: Negligência, imprudência ou imperícia na realização dos atos.

Excetuam-se desta regra os casos de responsabilidade objetiva, previstos em lei ou referentes à atividades que geram risco por sua natureza (vide art. 927, § ún. CC/02).

O ônus da prova é, em regra, da pessoa que sofre o dano. Porém, nas relações de consumo esse ônus pode ser invertido, nos moldes do CDC.

Relação Médico-Paciente

No âmbito da responsabilidade civil, a relação entre médico e paciente se enquadra na área do Dirieto do Consumidor, sendo regulada pelo CDC.

O Código de Ética Médica (CEM), porém, dispõe o contrário:

XX - A natureza personalíssima da atuação profissional do médico não caracteriza relação de consumo.

Na prática, aplicam-se as normas tanto do Código Civil quanto do CDC, para regular de forma mais efetiva os direitos e deveres entre médico e paciente.

Atividade de Risco

Para efeitos de caracterização da responsabilidade civil, entende-se que a atividade médica, por si só, não gera risco aos direitos de outrem - não se enquadra, portanto, na hipótese de responsabilidade objetiva que tratamos anteriormente.

 Existe um debate acerca da atuação médica nas cirurgias plásticas/estéticas, visto que o "cliente" não estava em situação de risco até realizar o procedimento cirúrgico. Até o momento a questão não foi pacificada e, portanto, aplica-se o mesmo entendimento das demais atividades.

Código de Defesa do Consumidor

No âmbito consumerista, a atividade médica pode ser caracterizada como uma prestação de serviços de saúde, onde o médico é o fornecedor e o paciente é o consumidor. A partir daí, é possível traçar um paralelo entre essa relação médico-paciente e a responsabilidade civil contida no art. 14:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Logo, podemos concluir que a regra das relações de consumo é a responsabilidade objetiva, mas pela natureza específica da atividade médica (profissão liberal) faz-se necessária a constatação de culpa (negligência, imprudência ou imperícia).

Elementos da Responsabilidade Civil Subjetiva

A responsabilidade subjetiva segue uma "linha do tempo", precisando de certos elementos para se caracterizar. De forma resumida, é necessário que exista:

  1. Autor (médico);
  2. Ato/Conduta: Ação ou Omissão que produz efeito jurídico na relação;
  3. Culpa;
  4. Dano: prejuízo moral, estético ou material ensejado pela conduta ilícita profissional;
  5. Nexo Causal: ligação de causa-consequência entre o ato praticado e o dano percebido.

Veja que a falta de comprovação de culpa afasta a existência de ato ilícito (vide art. 186 CC/02) e, consequentemente, de responsabilidade.

Elementos da Culpa

A culpa é caracterizada pelos três elementos já indicados em aula. Vamos nos aprofundar nesse aspecto:

  • Imprudência: Autor (médico) age além do que lhe é permitido ou sem o devido cuidado, sabendo da possibilidade de causar danos. Ex: prescrição de medicamento além da dosagem adequada;
  • Negligência: Autor (médico) não toma os cuidados e conhecimentos mínimos necessários para oe exercício da profissão. Ex: falta de examinação do paciente antes do início de um tratamento ou terapia;
  • Imperícia: Autor (médico) não possui os conhecimentos e técnicas necessárias para o exercício da função específica a qual se propõe a cumprir. Ex: médico que atua em especialidade diversa da sua.

Aplicabilidade do CDC: Pontos Positivos

Inversão do Ônus da Prova

Assim como mencionado anteriormente, o CDC é aplicável em alguns aspectos na relação médico-paciente. Dentre as normas do Código, a que representa um ponto muito importante é a regra de inversão do ônus da prova:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Cabe destacar que a hipossuficiência tratada no artigo não se refere às condições financeiras do paciente, mas sim às condições técnicas do consumidor. O ônus da prova é invertido de acordo com o caso concreto porque o paciente, por vezes, não tem como acessar documentos, obter informações ou realizar diligências necessárias à comprovação dos elementos da culpa.

Trata-se de uma forma de equilibrar a relação entre fornecedor (médico) e consumidor (paciente). Por esse motivo não é sempre aplicável, visto que pode ocorrer de o paciente ter o conhecimento necessário para produzir a prova (ex: médico que sofre dano de outro médico).

Prescrição

Outra vantagem para o paciente na aplicação do CDC é o maior prazo prescricional para a propositura da ação, visto que o CC/02 prevê 3 anos a partir do ato ilícito e o CDC estabelece 5 anos de prazo.

Excludentes de ilicitude

O art. 14 também prevê situações em que o fornecedor não será responsabilizado:

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

 I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

 II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Na relação médica a culpa exclusiva do consumidor se caracteriza pelo desleixo em seguir as recomendações e orientações médicas, por exemplo, no período pós-operatório ou no decorrer de um tratamento.

Vale lembrar que aplicam-se as excludentes do CDC e do CC/02, quais sejam:

  1. Legítima defesa;
  2. Estado de necessidade;
  3. Exercício regular de um direito;
  4. Estrito cumprimento do dever legal;
  5. Caso fortuito;
  6. Força maior;
  7. Culpa exclusiva da vítima;
  8. Culpa exclusiva de terceiro;
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