Já vimos que os contratos empresariais (aqueles celebrados entre empresários) possuem particularidades que justificam seu estudo separadamente dos demais contratos, inclusive dos civis (contratos celebrados entre particulares). Veremos então quais são os vetores de funcionamento , ou seja, as características inerentes a essa espécie de contrato. Já antes mencionadas, agora explicaremos melhor cada uma delas.
Relembrando o art. 966 do Código Civil, a atividade empresarial é sempre exercida profissionalmente. O profissionalismo quer dizer que o empresário possui habitualidade, experiência no comércio daquele bem ou na prestação daquele serviço. (Claro que a experiência vem a ser adquirida, não tendo como alguém ser experiente em algo desde sempre). Segundo entendimento de parte da doutrina e da jurisprudência, o profissionalismo resultaria na inaplicabilidade de institutos tradicionais do direito civil como a lesão por inexperiência, a imprevisibilidade e a onerosidade excessiva. Tal ideia baseia-se no argumento de que não há partes vulneráveis ou hipossuficientes no contrato. Segundo Enunciados da I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: > 28. Em razão do profissionalismo com que os empresários devem exercer sua atividade, os contratos empresariais não podem ser anulados pelo vício da lesão fundada na inexperiência.
35. Não haverá revisão ou resolução dos contratos de derivativos por imprevisibilidade e onerosidade excessiva (arts. 317 e 478 a 480 do Código Civil).
A função econômica do contrato significa que o contrato empresarial deve ser um meio de circulação de riqueza entre a sociedade, auxiliando na produção e/ou circulação de bens e serviços, como: - Para auxiliar produção de bens ou serviços: contratos de arrendamento mercantil, contrato de fornecimento de matéria prima, etc.
Assim, o contrato deve estar inserido na cadeia econômica dos empresários que o celebram, de modo que não pode ser analisado separadamente dos elementos do universo empresarial. Há necessidade sempre de uma análise sistêmica do contrato empresarial (sob as perspectivas jurídica, econômica e social). ### Efeito limitado do contrato civil X Efeito cascata do contrato empresarial
Quando uma pessoa comum identifica uma necessidade, ela normalmente pensa em qual item/serviço poderá satisfazê-la e então firma um contrato (exemplo: compra e venda de roupas, produtos farmacêuticos, etc.). No caso da empresa, quando o empresário identifica que esta tem uma necessidade, há duas opções: fazer ou comprar (make or buy). Fazer significa satisfazer a necessidade internamente, enquanto comprar significa satisfazer a necessidade por meio da contratação de terceiros. Por exemplo, uma empresa pode ela mesma ter pessoas para fazer a limpeza do prédio (contrato de trabalho) ou contratar uma outra empresa que preste o serviço de limpeza (contrato empresarial). Considerando que o objetivo da empresa é sempre o lucro, o contrato empresarial deve ser visto como uma estratégia do empresário para obter a melhor solução entre comprar ou fazer. Essa decisão será tomada por meio da consideração dos custos de transação, isto é, dos custos que envolvem a contratação, que incluem: - Custos ex ante: referem-se à pesquisa pelo melhor parceiro comercial;
Uma importante noção sobre os contratos empresariais é que as partes, idealmente, sempre gostariam de vincular o parceiro contratual (a outra parte), ou seja, obrigá-lo a cumprir suas obrigações e, ao mesmo tempo, permanecer livres para deixar a relação a qualquer momento que lhes for conveniente. Esse pensamento traduz-se no oportunismo empresarial. Diante dessas características, para promover o equilíbrio e a viabilidade nas relações empresariais, há a necessidade de respeito ao Pacta sunt servanda (princípio da força obrigatória dos contratos). Ou seja, as obrigações dos contratos vinculam ambas as partes; as partes devem cumprir tudo o que está estabelecido no contrato assinado. Deve haver cuidado com cláusulas abusivas como, por exemplo, as cláusulas de não-indenização: > PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS – PARCIALMENTE PROCEDENTE – PERÍCIA TÉCNICA NÃO CONCLUSIVA – AUSÊNCIA DE PROVAS QUE DEMONSTREM FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA LIMITATIVA DE RESPONSABILIDADE – DECISÃO REFORMADA – APELAÇÃO DA AUTORA NÃO PROVIDA – APELAÇÃO DA RÉ PROVIDA. (Relator(a): Luiz Eurico; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 04/07/2016;Data de registro: 14/07/2016)
Podemos dizer que a racionalidade diz respeito à compreensão do indivíduo quanto à realidade que o cerca. No âmbito empresarial, a racionalidade envolve a noção do empresário quanto às condições dos negócios que desenvolve. Há duas teorias que explicam a dimensão da racionalidade do agente econômico na atividade empresarial: - Teoria da Escolha Racional: entende que o empresário possui racionalidade plena e capacidade cognitiva sem restrições, ou seja, possui todas as informações disponíveis e compreensíveis, sendo possível a ele alcançar soluções ótimas. Tal teoria considera que todas as opções estão disponíveis no mundo e podem ser acessadas pelos autores se eles assim desejarem.
Vê-se que ambas as teorias convergem para o fato de que há riscos inerentes ao mundo dos negócios que o empresário assumirá em suas negociações, não podendo ele escusar-se de tomar decisões ruins com base em sua inexperiência. ### Incompletude contratual
A incompletude contratual significa que o contrato não contém a previsão sobre todos os vícios que serão enfrentados pelas partes. Pela aplicação da teoria da racionalidade limitada, entende-se que sempre há inviabilidade de contratos completos. Até porque os custos de contratos completos (advogados e tempo gasto para fechamento do negócio) acabam sendo maiores do que os benefícios econômicos da transação. Logo, há necessidade de adaptação diante da incompletude do contrato. Essa adaptação acaba por ser o principal problema econômico, já que os empresários tem naturalmente o comportamento predatório (moral hazard), desejando levar vantagem em relação ao outro. Outra causa de incompletude contratual é o desvio de pontos controvertidos, um comportamento estratégico em que partes evitam tratar de determinados aspectos do contrato (especialmente os controvertidos) por estratégia (e não por falta de informação). Por isso, nos contratos empresariais, é importante ressaltar a importância da boa-fé objetiva, padrão do agente econômico ativo e probo, de que trataremos a seguir. ### 11. Boa-fé Objetiva
A boa-fé é um princípio aplicável aos negócios jurídicos, tido como um conceito ético da conduta. Ela divide-se em: - Boa-fé subjetiva: refere-se ao estado psicológico da pessoa (elementos internos) no qual há intenção de agir (de celebrar negócio jurídico) com justiça e licitude. Nesse caso, poderá haver ignorância de eventual antijuricidade.
No direito empresarial aplica-se somente a boa-fé objetiva; não é relevante a boa-fé subjetiva (o que está a parte intencionando quando assinou contrato). Nesse contexto, a boa-fé objetiva significa a adoção de comportamento jurídico normalmente esperado dos comerciantes; ter agentes econômicos ativos e probos; cumprir a regra da lealdade recíproca e atitude colaborativa. A adoção da boa-fé, consequentemente, diminui os custos de transação e facilita os negócios. Assim, ambas as partes do contrato devem adaptar suas condutas à boa-fé objetiva, visando a alcançar a função econômica do contrato.