Adultização infantil: entenda termo, o que vídeo de influenciador revela, legislação e prisão de Hytalo Santos

Publicado em: 15/08/2025 por Guilherme Carvalho - Equipe


 

Felca/ reprodução Youtube
Os debates sobre ‘adultização infantil’ se intensificaram na última semana após um vídeo do influenciador Felipe Bressanim Pereira, popularmente conhecido como Felca, fazendo alerta sobre a exposição e exploração de crianças e adolescentes viralizar nas redes sociais. Por ‘adultização infantil’, compreende-se a exposição precoce de crianças e adolescentes a conteúdos ou comportamentos inadequados à idade, incluindo padrões físicos, emocionais ou sexuais. 

“Distanciamento da criança do seu mundo infantil e sua inserção ao mundo dos adultos”, conforme cita Felca no vídeo. 

No vídeo de 50 minutos, que já conta com mais de 39 milhões de visualizações no Youtube e mais de 183 milhões no seu perfil no Instagram até a tarde desta quinta-feira (14), o influenciador denuncia como a busca por dinheiro através da monetização de redes sociais e o funcionamento dos algoritmos das plataformas expõem crianças e adolescentes a uma série de crimes. 

Ainda critica os chamados “empresários mirins” e perfis de crianças e adolescentes que atuam através de um discurso “coach”, vendendo discurso de enriquecimento e descredibilização do estudo formal e tradicional. Felca explica que os algoritmos recomendam conteúdos a partir das curtidas e interações dos usuários, o que segundo ele, viabiliza a atuação de potenciais criminosos. 

O influenciador ainda diz que pedófilos usam códigos para o termo “trade” – troca, em inglês – para criarem uma rede de compartilhamento de imagens de crianças e adolescentes, alertando que pais e responsáveis fiquem atentos a comentários deste tipo, que denunciam possíveis tentativas de crime. 

"Esse é o perfil de uma menina de 8 anos brasileira que caiu na malha do algoritmo P. Pessoas de todo o mundo, Índia, China, Rússia, Brasil, EUA, usam a aba de comentários dela quase como um ponto de encontro desses pedófilos. Absolutamente todos, olha só, todos os comentários são com esses gifs, a maioria das visualizações, likes e seguidores é composto de pedófilos", mostrou Felca em um trecho. 

Para exemplificar como esse algoritmo funciona, Felca criou uma conta no Instagram e, em poucos minutos, fez com que a plataforma passasse a entregar apenas vídeos de crianças e adolescentes, em muitos casos, expondo os próprios corpos. 

"Fui dando like nos conteúdos que eu achava mais sugestivos e vocês vão ver agora o que acontece no meu algoritmo. Eu vou 'scrollar', não tô mais pesquisando nada, vou só 'scrollar' meu reels e olha o que acontece. Esse é o movimento que um pedófilo faria. Começa a aparecer uns conteúdos de crianças. É assustador porque eles pegam um conteúdo inocente e transformam num ponto de troca mesmo”, explicou. 

Em seu vídeo, Felipe ainda apontou o caso dos influenciadores Hytalo Santos e Kamylinha como um dos casos mais graves de exploração infantil. Acusa Hytalo de tirar os adolescentes da casa dos responsáveis para irem morar com ele, além de sexualizar em postagens jovens com idades entre 12 e 15 anos. Kamylinha, especificamente, teria ido morar com o influenciador aos 12 anos e frequentemente aparecia nas produções de Santos, inclusive em conteúdos com bebidas alcoólicas. Aos 16 anos, foi emancipada, depois anunciou uma gravidez – sofreu um aborto e teve a gravidez interrompida — e aos 17, fez implante de silicone. 

Na manhã desta sexta-feira (15), o influenciador Hytalo Santos e o marido dele, Israel Nata Vicente, foram presos em uma casa em Carapicuíba, na Grande São Paulo.

Hytalo é investigado pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB) e Ministério Público do Trabalho (MPT) por exploração e exposição de menores de idade em conteúdos produzidos para as redes sociais. O caso ganhou repercussão após denúncias do youtuber Felca sobre casos de "adultização" de crianças e adolescentes.

A prisão dos suspeitos envolveu uma atuação conjunta entre o Ministério Público da Paraíba, o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Civil da Paraíba e de São Paulo, além da Polícia Rodoviária Federal. As ordens de prisão foram expedidas pelo juiz Antônio Rudimacy Firmino de Sousa da 2ª Vara da Comarca de Bayeux, na Paraíba.

Na decisão, o magistrado afirma que "há fortes indícios" de tráfico de pessoas, exploração sexual e trabalho infantil artístico irregular, produção de vídeos com divulgação em redes sociais e constrangimento de crianças e adolescentes, entre outros crimes.

Hytalo é preso em SP. / foto: reprodução Polícia Civil

A reação: 

Após o conteúdo viralizar nas redes, a sociedade civil, personalidades públicas e políticos se manifestaram sobre a denúncia. Na Câmara dos Deputados, ao menos 32 projetos de leis surgiram após a denúncia. Os projetos variam desde a proibição da monetização de conteúdos com crianças até a criação da “Lei Felca”, “que dispõe sobre medidas de prevenção, proibição e criminalização da adultização e sexualização infantil na internet”. 

Mobilizando parlamentares de diferentes espectros políticos. No Senado, Jaime Bagattoli (PL) e Damares Alves (Republicanos) anunciaram que estão colhendo assinaturas para propor a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)  para "apurar a atuação de influenciadores digitais e plataformas de redes sociais na promoção e disseminação de conteúdos que sexualizam crianças e adolescentes".

Na Câmara, a deputada Érika Hilton do PSOL se manifestou sobre o tema e disse que "é criminoso que as redes sociais e 'big techs' lucrem com tudo isso, recomendam esses conteúdos a novos usuários, os transformam em 'tempo de tela', visualizações de anúncios e, por fim, monetizam a pornografia infantil e a exploração sexual infantil".

Em nota, a plataforma Instagram afirmou que não permite e que remove da rede, conteúdos de exploração sexual, abuso, nudez infantil e sexualização de crianças e adolescentes. 

O que a legislação já prevê: 

O Estatuto da Criança e do Adolesecente (ECA), prevê a proteção de menores de idade nos meios digitais e especifica penas legais para casos de pornografia infantil em produções artisiticas, fotograficas, televisivas ou qualquer outro meio visual, incluindo casos ocorridos na internet. 

Em 2014, com a criação do Marco Civil da Internet passou-se a assegurar os direitos e garantias dos usuários de internet, incluindo os de crianças e adolescentes. Dentre os direitos previstos, estão a inviolabilidade da intimidade e da vida privada; a proteção e a indenização por dano material ou moral decorrente de sua eventual violação.

Em 2025, uma decisão judicial inédita da 3ª Vara da Família de Rio Branco, no Acre, decidiu que a superexposição de menores de idade nas redes sociais pode gerar implicações jurídicas. À época, comentamos aqui a decisão da juíza Maha Manasfi, que condenou os pais de um menino, menor de idade, pela exposição exagerada da imagem da criança nas redes sociais.

Na sentença, a juíza proibiu a divulgação de fotos ou vídeos com uma frequência exagerada, com exceção apenas para datas especiais e momentos de família.Ainda segundo a magistrada, foi identificada a prática conhecida como “sharenting” — termo que une as palavras share (compartilhar) e parenting (parentalidade), definido como a prática de pais ou responsáveis que compartilham imagens, vídeos e informações da vida dos filhos nas redes sociais - muitas vezes desde o nascimento e, em alguns casos, com interesse comercial. Ou seja, quando os pais ou representantes legais praticam superexposição da criança ou adolescentes na internet, especialmente nas redes sociais, ao ponto de dividir informações da vida pessoal da criança.

A juíza considerou ainda que a prática de “sharenting” viola o art. 5°, inciso 10, da Constituição Federal, e também o artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que assegura a proteção à identidade, ao respeito e à integridade psíquica e moral.

Art. 5º (Constituição Federal) - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[...]
Artigo 17 (Estatuto da Criança e do Adolescente) - O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Esse texto utilizou informações da Agência Câmara de Notícias, STF, Senado, Agência Brasil e GOV. O aprofundamento de questões como Constituição Federal, instituições judiciárias, ECA, Marco Civil da Internet e outros, você confere nos cursos do Trilhante.