Publicado em: 06/12/2021 por Ederson Santos Pereira Rodrigues


Nas últimas semanas, um dos assuntos que mais ganhou destaque foi o projeto apresentado pelo governo federal que, entre outras coisas, prevê o chamado "orçamento secreto". O tema gerou polêmica e movimentou todos os três poderes da República, destacando-se na mídia e impactando boa parte dos cidadãos brasileiros.

No texto de hoje, vamos tentar entender o que é esse "orçamento secreto", quais os motivos para a polêmica e como está o trâmite do projeto nas casas legislativas. Bora?

Como funciona o planejamento orçamentário?

O primeiro passo é entender um pouco sobre o funcionamento da parte financeira do Estado, prevista na Constituição Federal. Basicamente, é necessário estabelecer um orçamento - com metas, limites, objetivos - de médio prazo e fazer projetos de curto prazo que se enquadrem nas diretrizes mais abrangentes. Esses projetos que definem o planejamento de arrecadação e gastos são chamados de:

  • Plano Plurianual (PPA): Define diretrizes e objetivos da Administração Pública em médio prazo (4 anos), é um documento estratégico da gestão pública que prevê metas divididas em temas ou setores (ex: objetivo de aumentar em 15% ovolume de exportação de bens industrializados);
  • Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO): É uma espécie de ajuste anual para o PPA, onde o governo orienta os projetos de curto prazo seguindo as diretrizes, estabelecendo prioridades entre cada tipo de gasto;
  • Lei Orçamentária Anual (LOA):  Planejamento direto do ano seguinte quanto aos orçamentos fiscal, da seguridade e de investimentos das estatais.

Saiba mais sobre cada lei orçamentária aqui.

Fazendo uma analogia com a vida pessoal, seria como o planejamento financeiro de uma família: existem sonhos a serem realizados (viagens, casa própria, etc.) e algumas metas intermediárias para alcançar tais sonhos. Por exemplo, a família pode definir em curto prazo o pagamento de dívidas e, em médio prazo, o aumento de receitas (novos empregos) e um valor X de economias por mês (uma "poupança" para os sonhos).

As grandes diferenças para o orçamento público são a complexidade e a sujeição aos princípios constitucionais. Veja, como se trata de recursos públicos, o planejmento deve prever movimentações que atendam ao interesse público, a destinação deve cumprir com as funções da Administração Pública e deve haver transparência das contas para que a população tenha acesso e compreenda o que a Administração está fazendo.

Ok, mas quem elabora os projetos e define onde serão alocados os recursos? Essa é a função do Poder Legislativo, orientado pelas políticas governamentais (Poder Executivo). Isso porque os deputados têm a função de representar a população de sua base eleitoral, então, em tese, eles sabem e compreendem melhor quais são os investimentos necessários em cada parte do país.

O direcionamento dos gasots é feito por meio das emendas parlamentares: é literalmente uma adição/amarra/emenda no projeto apresentado pleo governo para, dentro dos limites que estão previamente esabelecidos, indicar o setor e a região para onde serão enviados os recursos. Via de regra, elas são distribuídas aos parlamentares de forma equilibrada. As "emendas de relator", explicadas mais adiante, não seguem critérios específicos e podem beneficiar alguns parlamentares em detrimento de outros.

Aqui, já podemos perceber que há grande diálogo entre os poderes Legislativo e Executivo: uma base parlamentar favorável ao governo recebe mais emendas parlamentares e tende a aprovar os projetos desse mesmo governo. Mas, como diria Galvão Bueno: pode isso, Arnaldo?

Qual é a principal questão polêmica?

Esse aspecto político, de existirem alianças e bases governamentais mais fortes (mais apoio no Congresso) e menos fortes (menos apoio) é normal e intrínseco a um regime democrático. Porém, é preciso estar atento a uma coisa: não há espaço na Constituição Federal para o interesse próprio, para o favorecimento de insteresses privados. Isso fica evidente quando nos atentamos aos princípios da Administração Pública, princpalmente o do repseito ao Interesse Público e o princípio da publicidade (transparência).

É justamente nesse quesito que se encontra a polêmica atual. Vamos entender:

  1. Dentro da LOA proposta recentemente, existe uma emenda de sigla "EP-9", chamada de "Emenda de Relator";
  2. Esta emenda prevê a atribuição de uma quantidade grande de recursos aos parlamentares, mas sem a necessidade de discriminar o destino dos gastos;
  3. Fica proposto, então, um valor alto de dinheiro público sem a publicidade esperada e exigida pela Constituição Federal;

Essa falta de transparência institucionalizada (prevista em um documento legal, em uma norma) é o que gerou a grande preocupação sobre o projeto. Não saber para onde o dinheiro é direcionado abre brechas para diversos casos de corrupção, como superfaturamento nas compras da Administração, desvio de verbas, entre outros.

O impacto da apresentação do projeto de lei repercutiu no judiciário quando os partidos de oposição ao governo ingressaram com um pedido no STF para a suspensão do pagamento dessas emendas de relator. O pedido foi acatado liminarmente pela Ministra Rosa Weber e depois confirmado pelo plenário por 8 votos a 2.

Mudanças no projeto

Após a aprovação na Câmara dos Deputados, o projeto passou por alterações no Senado Federal, observando a repercussão negativa e a determinação judicial. Na reformulação, ficou definido um limite para as emendas de relator, vinculado ao total das emendas parlamentares individuais e de bancada. No dia 07/12/21, a ministra Rosa Weber retirou a suspensão da execução dessas emendas, mas a decisão ainda deve ser referndada pelo plenário.

Entretanto, alguns técnicos legislativos apontam a falta de transparência como um problema ainda presente no projeto, visto que o novo texto mantém o sigilo sobre os nomes de senadores e deputados que indicaram emendas em 2020 e em 2021, trazendo publicidade somente em 2022.

Portanto, algumas alterações ainda podem ser feitas para atender melhor a demanda por transparência, mas o principal ponto de divergência sobre a LOA parece ter sido resolvido após a avaliação do STF sobre o tema.